Na madrugada do primeiro dia do mês de julho, a
Câmara dos Deputados rejeitara a proposta de redução da maioridade penal – a
famosa PEC 171/93, que estava guardada na gaveta desde o ano de 1993. O texto determinava que adolescentes
pudessem ser punidos como adultos, a partir dos 16 anos, nos casos de
crimes hediondos, como estupro, latrocínio e homicídio qualificado.
Aí houve uma baita de uma comemoração por parte dos
grupos progressistas, com direito ao dia inteiro de postagens nas redes
sociais; teve fogos e confetes, bolo e brigadeiro. Mas o que a maioria não
sabia, é que o texto rejeitado, no entanto, era apenas um substitutivo
aprovado na comissão especial. Com isso, faltava ainda colocar em votação a
proposta original, que propõe a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos
para todos os crimes.
Só tinha um porém e este porém atende pelo nome de
Cunha. Pois bem; exatamente um dia depois de rejeitar a redução da maioridade
penal, na madrugada do dia 2 de julho,
a Câmara dos Deputados analisou o tema novamente e decidiu diminuir de 18 para
16 anos a idade penal no Brasil no caso específico de crimes
como homicídio doloso, lesão corporal seguida de morte e atos infracionais
hediondos. Mais uma vez, a votação foi possível por conta de manobra de Eduardo
Cunha, presidente da Câmara dos Deputados que, contando com a ajuda da
oposição, colocou em pauta uma emenda aglutinativa sobre o mesmo assunto, com trechos da proposta já rejeitada
no dia anterior e contando com umas poucas mudanças. Nesta segunda votação, 323
parlamentares votaram a favor e 155 contra e a emenda acabou aprovada. Apesar
disso, a proposta precisa ser analisada de novo em segundo turno na própria
Câmara, antes de seguir para o Senado.
O texto aprovado sugere que adolescentes podem ser
punidos como adultos, a partir
dos 16 anos, se cometerem crimes com
“violência ou grave ameaça, crimes hediondos, homicídio doloso, lesão corporal
grave ou lesão seguida de morte”. A diferença em relação ao texto rejeitado na primeira
votação, é que foram excluídos da redução os crimes de tráfico e roubo
qualificado.
Para os deputados, Cunha passou por cima do
regimento interno e deveria ter colocado para votação, na verdade, o texto
original (que reduz a maioridade penal para todos os crimes). Por isso, a
emenda provocou críticas de deputados do PT,
PCdoB, PSOL, PSB e até do PMDB, sigla de Cunha. “Não podemos votar
texto morto. Não pode montar aglutinativa com texto rejeitado. Os incisos 4 e 5
fazem parte do texto principal dessa emenda aglutinativa, mas foram rejeitados
ontem”, criticou a deputada Jandira Feghalli (PCdoB-RJ). “Não podemos jogar o
regimento no lixo. A presidência não pode atropelar a decisão deste Plenário. Não
pode querer ganhar no tapetão”, complementou.
O deputado Glauber Braga (PSB-RJ) chegou a discutir
com Cunha, ao dizer que pretende levar o caso ao Supremo Tribunal Federal
(STF). “Isso aqui é o parlamento, não é a casa de Vossa Excelência, onde o
senhor manda e desmanda”, ironizou. Mas o presidente da Câmara seguiu rebatendo
e interrompendo os argumentos contrários, de forma impaciente. “A Presidência
não admite a falta de respeito por parte do parlamentar. Vossa Excelência tem
direito de ir ao STF, como vários de vocês têm feito sem êxito”, minimizou o
deputado.
No entanto, a aprovação da PEC 171/93 em primeiro
turno na Câmara dos Deputados é apenas um dos passos para que a redução da
maioridade penal possa virar lei. E por ser um assunto altamente complexo,
ninguém sabe quanto tempo ainda irá tramitar, sendo que alguns parlamentares
dizem que o período pode chegar a dois anos. Para que possa vigorar, a proposta
ainda deverá passar por pelo menos três fases distintas:
a) após o verdadeiro atropelamento regimental feito
por Eduardo Cunha, aprovando a PEC na madrugada do dia 2 de julho, deverá haver um intervalo de cinco sessões entre a votação no primeiro
turno e a votação no segundo turno. Para ser aprovada, a PEC deve ter o voto
favorável de pelo menos 308 deputados (3/5 dos parlamentares) também no próximo
turno;
b) depois de aprovada na Câmara, a PEC será
encaminhada ao Senado, devendo ser analisada pela Comissão de Constituição do
Senado. Caso seja considerada admissível pela CCJ do Senado, a PEC vai para
votação no plenário também em dois turnos, precisando ter o voto favorável de
pelo menos 49 senadores para ser aprovada;
c) se o texto aprovado pelo Senado for o mesmo
aprovado pela Câmara, a PEC pode ser promulgada e passará a vigorar. Caso o
texto aprovado no Senado tenha sofrido alterações em relação ao da Câmara, a
PEC voltará à Casa. A PEC só poderá ser promulgada quando a as duas Casas
votarem e aprovarem exatamente o mesmo texto.
A alteração da maioridade penal ainda pode ser
questionada no STF (Supremo Tribunal Federal) por quem se sentir prejudicado
com a proposta.
Durante a votação do dia 2 de julho, o deputado
Darcísio Perondi (PMDB-RS) foi voz dissonante dentro do próprio partido.
Perondi disse que a mudança vai repercutir mal nos tribunais e não vai resolver
a questão da criminalidade. “A saída é o Estatuto da Criança e do
Adolescente. Não adianta vender carne de picanha e oferecer carne de terceira”,
disse Perondi, que também pediu aos deputados que não ouçam “à imbecilidade da
internet”.
Já o líder do PMDB, deputado Leonardo Picciani
(RJ), salientou que respeita as posições divergentes do partido, mas defendeu
que jovens entre 16 e 17 anos que cometem crimes
hediondos sejam julgados e condenados como adultos. “O PMDB vai
reafirmar a sua posição. A proposta é equilibrada, ela é restrita e é a
resposta que a sociedade anseia não por capricho, mas porque não aguenta mais a
impunidade”, disse.
Quem tem o mínimo de discernimento, entende que o
Brasil vive um grave problema de violência e que, se há adolescentes cometendo
crimes graves, eles devem ser responsabilizados. Mas alterar a lei para
rebaixar a maioridade penal, certamente, não resolverá o problema. Ao
contrário: julgar e encarcerar adolescentes como adultos poderá ainda mais alimentar
o ciclo de violência. Quem quiser, bastar esperar para ver.
Para o UNICEF, a solução do problema da violência
no Brasil passa pela criação de oportunidades onde crianças e adolescentes
possam desenvolver seus potenciais e realizar seus sonhos sem cometer delitos.
Para aqueles que cometerem atos infracionais, o Brasil precisa garantir um
sistema socioeducativo que interrompa essa trajetória e ofereça oportunidades
efetivas de reinserção social e cidadania para estes adolescentes. Da mesma
forma, é preciso proporcionar uma política pública de prevenção de delitos
efetiva.
Finalmente, cá entre nós: está sendo um
verdadeiro horror assistir Cunha presidir a Casa do Povo como se fosse a sua
própria casa. Esse cara viola o regimento interno, rasga a nossa Carta Magna,
desrespeita a minoria, ameaça e faz acordos imorais e ilegais até ter sua
posição aprovada. Tanto é assim, que até
Joaquim Barbosa, o “rei dos coxinhas”, nem bem amanheceu a quinta-feira, saiu
tuitando feito louco, contra os desmandos do tal Cunha...
É isto. Não se trata mais de ser contra ou a
favor ao assunto votado, mas sim de denunciar o que estão fazendo com a nossa
Constituição. Tanto no texto constitucional quanto nos regimentos, os dispositivos são claros: matéria rejeitada ou
prejudicada não pode ser apreciada no mesmo ano. Mas, desde a votação do
financiamento, Cunha está atropelando a tudo e a todos. Para se ter uma ideia,
o ministro Marco Aurélio Mello, do STF,
levantou dúvidas sobre a votação: "O que nós temos na Constituição
Federal? Em primeiro lugar, que o Supremo Tribunal Federal é a guarda do
documento maior da República. Em segundo lugar, temos uma regra muito
clara que diz que matéria rejeitada ou declarada prejudicada só pode ser
apresentada na sessão legislativa seguinte. E nesse espaço de tempo de 48
horas não tivemos duas sessões legislativas", afirmou Mello à Rádio Gaúcha.
A base da argumentação de Mello
é o parágrafo quinto do artigo 60 da Constituição, segundo o qual
"a matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por
prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão
legislativa". Para ele, a violação no caso da votação da maioridade penal
foi clara. "Fico perplexo quando se parte para dar uma esperança vã à
sociedade como se se tivesse a observância do figurino constitucional, e aí, de
forma escancarada, não se tem. O vício formal salta aos olhos".
A democracia brasileira vive dias
difíceis, enquanto os cidadãos deste gigante adormecido cruzam os braços e
assistem a tudo, pela TV. Até quando, não se sabe...
* Fabiana Agra é advogada e jornalista.
Fontes de pesquisa:
Carta Capital
Revista Fórum
G1
UOL
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