sexta-feira, 3 de julho de 2015

Artigo sobre a redução da maioridade penal, por Fabiana Agra


Na madrugada do primeiro dia do mês de julho, a Câmara dos Deputados rejeitara a proposta de redução da maioridade penal – a famosa PEC 171/93, que estava guardada na gaveta desde o ano de 1993. O texto determinava que adolescentes pudessem ser punidos como adultos, a partir dos 16 anos, nos casos de crimes hediondos, como estupro, latrocínio e homicídio qualificado.
Aí houve uma baita de uma comemoração por parte dos grupos progressistas, com direito ao dia inteiro de postagens nas redes sociais; teve fogos e confetes, bolo e brigadeiro. Mas o que a maioria não sabia, é que o texto rejeitado, no entanto, era apenas um substitutivo aprovado na comissão especial. Com isso, faltava ainda colocar em votação a proposta original, que propõe a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos para todos os crimes.
Só tinha um porém e este porém atende pelo nome de Cunha. Pois bem; exatamente um dia depois de rejeitar a redução da maioridade penal,  na madrugada do dia 2 de julho, a Câmara dos Deputados analisou o tema novamente e decidiu diminuir de 18 para 16 anos a idade penal no Brasil no caso específico de crimes como homicídio doloso, lesão corporal seguida de morte e atos infracionais hediondos. Mais uma vez, a votação foi possível por conta de manobra de Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados que, contando com a ajuda da oposição, colocou em pauta uma emenda aglutinativa sobre o mesmo assunto,  com trechos da proposta já rejeitada no dia anterior e contando com umas poucas mudanças. Nesta segunda votação, 323 parlamentares votaram a favor e 155 contra e a emenda acabou aprovada. Apesar disso, a proposta precisa ser analisada de novo em segundo turno na própria Câmara, antes de seguir para o Senado.
O texto aprovado sugere que adolescentes podem ser punidos como adultos, a partir dos 16 anos, se cometerem crimes com “violência ou grave ameaça, crimes hediondos, homicídio doloso, lesão corporal grave ou lesão seguida de morte”. A diferença em relação ao texto rejeitado na primeira votação, é que foram excluídos da redução os crimes de tráfico e roubo qualificado. 
Para os deputados, Cunha passou por cima do regimento interno e deveria ter colocado para votação, na verdade, o texto original (que reduz a maioridade penal para todos os crimes). Por isso, a emenda provocou críticas de deputados do PT,  PCdoB, PSOL, PSB e até do PMDB, sigla de Cunha.  “Não podemos votar texto morto. Não pode montar aglutinativa com texto rejeitado. Os incisos 4 e 5 fazem parte do texto principal dessa emenda aglutinativa, mas foram rejeitados ontem”, criticou a deputada Jandira Feghalli (PCdoB-RJ). “Não podemos jogar o regimento no lixo. A presidência não pode atropelar a decisão deste Plenário. Não pode querer ganhar no tapetão”, complementou.
O deputado Glauber Braga (PSB-RJ) chegou a discutir com Cunha, ao dizer que pretende levar o caso ao Supremo Tribunal Federal (STF). “Isso aqui é o parlamento, não é a casa de Vossa Excelência, onde o senhor manda e desmanda”, ironizou. Mas o presidente da Câmara seguiu rebatendo e interrompendo os argumentos contrários, de forma impaciente. “A Presidência não admite a falta de respeito por parte do parlamentar. Vossa Excelência tem direito de ir ao STF, como vários de vocês têm feito sem êxito”, minimizou o deputado.
No entanto, a aprovação da PEC 171/93 em primeiro turno na Câmara dos Deputados  é apenas um dos passos para que a redução da maioridade penal possa virar lei. E por ser um assunto altamente complexo, ninguém sabe quanto tempo ainda irá tramitar, sendo que alguns parlamentares dizem que o período pode chegar a dois anos. Para que possa vigorar, a proposta ainda deverá passar por pelo menos três fases distintas:
a) após o verdadeiro atropelamento regimental feito por Eduardo Cunha, aprovando a PEC na madrugada do dia 2 de julho, deverá haver um intervalo de cinco sessões entre a votação no primeiro turno e a votação no segundo turno. Para ser aprovada, a PEC deve ter o voto favorável de pelo menos 308 deputados (3/5 dos parlamentares) também no próximo turno;
b) depois de aprovada na Câmara, a PEC será encaminhada ao Senado, devendo ser analisada pela Comissão de Constituição do Senado. Caso seja considerada admissível pela CCJ do Senado, a PEC vai para votação no plenário também em dois turnos, precisando ter o voto favorável de pelo menos 49 senadores para ser aprovada;
c) se o texto aprovado pelo Senado for o mesmo aprovado pela Câmara, a PEC pode ser promulgada e passará a vigorar. Caso o texto aprovado no Senado tenha sofrido alterações em relação ao da Câmara, a PEC voltará à Casa. A PEC só poderá ser promulgada quando a as duas Casas votarem e aprovarem exatamente o mesmo texto. 
A alteração da maioridade penal ainda pode ser questionada no STF (Supremo Tribunal Federal) por quem se sentir prejudicado com a proposta.
Durante a votação do dia 2 de julho, o deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS) foi voz dissonante dentro do próprio partido. Perondi disse que a mudança vai repercutir mal nos tribunais e não vai resolver a questão da criminalidade. “A saída é o Estatuto da Criança e do Adolescente. Não adianta vender carne de picanha e oferecer carne de terceira”, disse Perondi, que também pediu aos deputados que não ouçam “à imbecilidade da internet”.
Já o líder do PMDB, deputado Leonardo Picciani (RJ), salientou que respeita as posições divergentes do partido, mas defendeu que jovens entre 16 e 17 anos que cometem crimes hediondos sejam julgados e condenados como adultos. “O PMDB vai reafirmar a sua posição. A proposta é equilibrada, ela é restrita e é a resposta que a sociedade anseia não por capricho, mas porque não aguenta mais a impunidade”, disse.
Quem tem o mínimo de discernimento, entende que o Brasil vive um grave problema de violência e que, se há adolescentes cometendo crimes graves, eles devem ser responsabilizados. Mas alterar a lei para rebaixar a maioridade penal, certamente, não resolverá o problema. Ao contrário: julgar e encarcerar adolescentes como adultos poderá ainda mais alimentar o ciclo de violência. Quem quiser,  bastar esperar para ver.
Para o UNICEF, a solução do problema da violência no Brasil passa pela criação de oportunidades onde crianças e adolescentes possam desenvolver seus potenciais e realizar seus sonhos sem cometer delitos. Para aqueles que cometerem atos infracionais, o Brasil precisa garantir um sistema socioeducativo que interrompa essa trajetória e ofereça oportunidades efetivas de reinserção social e cidadania para estes adolescentes. Da mesma forma, é preciso proporcionar uma política pública de prevenção de delitos efetiva.
Finalmente, cá entre nós: está sendo um verdadeiro horror assistir Cunha presidir a Casa do Povo como se fosse a sua própria casa. Esse cara viola o regimento interno, rasga a nossa Carta Magna, desrespeita a minoria, ameaça e faz acordos imorais e ilegais até ter sua posição aprovada.  Tanto é assim, que até Joaquim Barbosa, o “rei dos coxinhas”, nem bem amanheceu a quinta-feira, saiu tuitando feito louco, contra os desmandos do tal Cunha...
É isto. Não se trata mais de ser contra ou a favor ao assunto votado, mas sim de denunciar o que estão fazendo com a nossa Constituição. Tanto no texto constitucional quanto nos regimentos, os dispositivos são claros: matéria rejeitada ou prejudicada não pode ser apreciada no mesmo ano. Mas, desde a votação do financiamento, Cunha está atropelando a tudo e a todos. Para se ter uma ideia, o ministro Marco Aurélio Mello, do STF, levantou dúvidas sobre a votação: "O que nós temos na Constituição Federal? Em primeiro lugar, que o Supremo Tribunal Federal é a guarda do documento maior da República. Em segundo lugar, temos uma regra muito clara que diz que matéria rejeitada ou declarada prejudicada só pode ser apresentada na sessão legislativa seguinte. E nesse espaço de tempo de 48 horas não tivemos duas sessões legislativas", afirmou Mello à Rádio Gaúcha.
A base da argumentação de Mello é o parágrafo quinto do artigo 60 da Constituição, segundo o qual "a matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa". Para ele, a violação no caso da votação da maioridade penal foi clara. "Fico perplexo quando se parte para dar uma esperança vã à sociedade como se se tivesse a observância do figurino constitucional, e aí, de forma escancarada, não se tem. O vício formal salta aos olhos".
A democracia brasileira vive dias difíceis, enquanto os cidadãos deste gigante adormecido cruzam os braços e assistem a tudo, pela TV. Até quando, não se sabe...

 * Fabiana Agra é advogada e jornalista.

Fontes de pesquisa:
Carta Capital
Revista Fórum
G1
UOL



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