sexta-feira, 24 de julho de 2015

POLÍTICA:


Quem mora no Nordeste sabe – ou deveria saber – que somente há bem pouco tempo a região passou a ser viável no campo da economia brasileira. Antes, relegada à “terra de ninguém”, a “campo devastado”, servindo principalmente como lugar de onde saíam a mão-de-obra barata ou mesmo escrava, que partia para construir o sudeste ou colher nos campos infindos do centro-oeste, após uma série de investimentos em obras estruturantes por parte do Governo Federal, os estados nordestinos começaram a mudar de cenário e, seja ao lado das belas praias que rodeiam suas costas ou nos seus mais afastados rincões, indústrias começam a surgir, comércios são estruturados. Sim, ilhas que ainda são, em um mar revolto; mas que, se possuírem um farol forte, serão porto seguro para investidores e aí sim, em breve o Nordeste também dará as cartas no cenário político e econômico brasileiro.
Por enquanto, de carta mesmo, tivemos a “Carta de Teresina”, documento assinado pelos nove governadores nordestinos, documento final do 4º Encontro de Governadores do Nordeste, encerrado no último dia 17 de julho, na capital do Piauí. O cofinanciamento das políticas de segurança pública, a compensação previdenciária entre União e estados e a definição de uma meta de investimentos em ciência e tecnologia são pontos de debate que os governadores devem levar ao governo federal para negociação. No documento, os gestores sugerem a criação de um sistema nacional de segurança pública e justiça que envolva o repasse de verbas federais para os estados nos moldes do Sistema Único de Saúde (SUS) e do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb).
Entre os eixos de ação propostos pelos governadores, está a liberação de recursos do Fundo Penitenciário Nacional, atualmente contingenciados, para a construção de um presídio com capacidade média de 250 pessoas em cada estado da região. Aliado a isso, os gestores propõem incentivo à “criação e implementação de mecanismos e alternativas à prisão, associados a uma política de ressocialização”.
Quanto à Previdência, os governadores propuseram formas de capitalizar os regimes próprios de Previdência Social dos estados, dos quais fazem parte servidores públicos efetivos. Eles também demandam do governo federal uma compensação financeira para que os estados consigam dar conta do piso do magistério no pagamento dos aposentados e pensionistas.
No campo da ciência, tecnologia e inovação, a Carta de Teresina reivindica a aplicação de 28% dos recursos investidos anualmente pela União em ações no Nordeste, no prazo de quatro anos. Entre as ações destacadas estão o desenvolvimento de tecnologias de gestão da água, a ampliação da infraestrutura e utilização da internet e o incentivo à agricultura familiar.
Junto com a Carta de Teresina, os nove governadores do Nordeste lançaram também um manifesto de apoio à presidenta Dilma Rousseff. No documento, eles afirmam acreditar que o país retomará o crescimento econômico e social e consideram “incabível” a interrupção do mandato presidencial. Eles destacam ainda que o mandato de quatro anos determina um prazo para que os compromissos de campanha sejam cumpridos, os desafios, vencidos e os ajustes sejam feitos, os projetos, implementados e os resultados, colhidos.
Após o encontro, Camilo Santana, atual governador do Ceará, concedeu uma entrevista à Carta Capital, onde clama por uma agenda positiva, lembrando que “a radicalização não traz benefícios”. Santana defende o fortalecimento das investigações de corrupção na linha “doa a quem doer” e o direito de manifestação das oposições, mas critica as tentativas de desrespeito à democracia e à vontade da maioria expressa nas eleições do ano passado. À presidenta Dilma Rousseff recomenda disposição para o diálogo. Ao PT, o governador recomenda a reinvenção.
É isso. É o Nordeste sinalizando para o resto do Brasil. É o povo nordestino mais uma vez dando o mote para a resolução desse novo e estranho tempo, onde o conservadorismo e rompantes reacionários parecem tomar de assalto o Congresso Nacional. O último protagonista neste cenário nonsense foi o deputado federal Laerte Bessa (PR-DF), relator da PEC 171/93 que reduz a maioridade penal de 18 anos para 16 anos. Em entrevista para o jornal inglês The Guardian, Laerte Bessa disse, em relação ao tema: “Daqui a uns vinte anos vamos reduzir para 14 anos. Depois de mais 20 (anos) vai para 12 e vai baixando até chegar na barriga da mulher”, falou na entrevista gravada, divulgada esta semana pelo jornalista Bruce Douglas. “Quando chegar na barriga da mulher”, acrescentou Bessa, “os cientistas já inventaram uma forma de descobrir antes do moleque nascer se já é criminoso e não vão deixar nascer. Aí vai resolver o problema”.
O parlamentar chegou a divulgar nota por meio da página oficial dele no Facebook alegando que foi mal-interpretado pelo The Guardian. Mas na mesma postagem, o repórter Bruce Douglas direciona o leitor para um áudio da conversa que teve com o deputado – sem chances de ter acontecido uma má interpretação de sua fala, o que vemos é uma má ocupação das cadeiras do Congresso Nacional, onde estão sentadas pessoas da espécie de um Eduardo Cunha ou de um Laerte Bessa – este pelo jeito pensa que a vida não vale nada.
Mas o Nordeste reage a essa maré que está derramando uma baita ressaca em todo o Brasil e escreve a sua carta. O governador cearense reforça o sentimento que reina por aqui, mandando o seu recado: “A crise política me preocupa mais do que a crise econômica. Vejo um quadro complexo. A oposição tem o legítimo direito de se posicionar, de manifestar-se, mas o Brasil não pode ficar preso a uma agenda negativa. A radicalização não trará nenhum benefício ao País. É o momento de desarmar os espíritos, pensar no futuro, apoiar uma visão mais patriótica e respeitar a democracia, conquistada a duras penas”.
O povo nordestino não quer “voltar atrás”; o povo nordestino quer ser protagonista de sua própria história e continuar nesse passo desenvolvimentista que teve início em suas terras. Sim, é preciso combater a corrupção, cortando a própria carne – e punir os culpados quando seus crimes forem comprovados. O que o Nordeste não permite – e isto deve valer para as demais regiões brasileiras –, é que o avanço social e estrutural ocorrido nos últimos anos seja parado por maquinações de uma oposição sem agenda. É o Nordeste mandando o seu recado, “quem tem ouvidos, ouça”.

* Fabiana Agra é advogada e jornalista
 Com Agência Brasil e Carta Capital

Nenhum comentário:

Postar um comentário