quarta-feira, 10 de junho de 2015

O CRISTO QUE APRENDI A AMAR, por Fabiana Agra*


Ontem, lancei duas perguntas ao vento, e como bem me alertou o amigo Amauri Dantas, é claro que não obtive respostas; porém, não as obtive porque as perguntas foram meramente retóricas, eis que as respostas são fáceis de achar. A primeira: “se Jesus voltasse nos dias de hoje, como ele seria?” – se o Cristo voltasse à Terra hoje, certamente seria marginalizado e ridicularizado pela maioria, seguido por uma minoria e, no fim, talvez não fosse crucificado, mas assassinado da forma mais banal dos nossos tempos, caso criasse muita confusão para o Estado; caso contrário, talvez fosse mais uma voz dissonante nesse mundo cada vez mais irracional e repleto de violência, por pregar a paz e o amor entre todos nós. A segunda pergunta, extensão da primeira: “Quem seriam as suas companhias?”, é mais fácil ainda de responder – decerto não seria o Papa Francisco, tampouco Malafaia. Até porque, muito provavelmente e se seguirmos o script do Novo Testamento, o Jesus de agora nasceria em alguma periferia de uma grande cidade, junto a toda uma classe de excluídos. E ele sentiria amor por todas aquelas pessoas; e ele sentiria a dor de cada uma delas; e ele ficaria próximo daquela gente, daqueles viciados, daqueles pivetes “menores de idade”, daqueles soropositivos, e de tantos transexuais e homossexuais que, todas as noites, são assassinados mundo afora.

Você pode até achar que estou blasfemando; mas posso te garantir que não, apenas faço o exercício de trazer para o século XXI, a Nazaré, a Galiléia e a Jerusalém dos tempos de Jesus. Mais ainda: estou fazendo o exercício de lembrar e de repassar a imagem do Cristo que trago no meu âmago desde as primeiras linhas que aprendi a ler e que foram sobre esse Ser extraordinário. Porque Jesus, o Cristo, ele transcende qualquer explicação racional; porque a sua mensagem é de puro Amor; porque a sua passagem pela Terra foi para curar a nossa dor e chamar a todos para uma vida sem sofrimento e sem morte. Este é o Cristo que aprendi a conhecer e a amar, que transcende a qualquer religião e a qualquer arauto que se julga representante dEle aqui na Terra. O resto é briga por osso, o resto é delimitação de território e busca por lucro financeiro. Nesse campo aí, eu já não me meto, tenho muito mais o que fazer do que discutir dogmas e religiões. Jesus é maior do que qualquer igreja.

Então, olhando para a face deste Cristo que aprendi a amar, eu continuo sem compreender a razão de tanta polêmica por parte de religiosos e crentes das mais diversas matizes cristãs, ao verem um transexual travestido de crucificado. Até agora não consegui compreender por que tanto ódio disseminado em nome de Jesus, se ele mesmo saía ao encontro de todos os marginalizados de sua época...

Quer dizer que a figura iconográfica do “Cristo crucificado” pode ser representada por artistas globais em Nova Jerusalém, pelo meu amigo João Andrade na Paixão de Cristo de Cuité e até por Neymar na capa da revista Placar, mas não pode ser representado por um transexual que deve sofrer horrores na vida que vive?!? É isso mesmo?!? Certamente o Cristo que aprendi a amar viria, nos dias de hoje, da mesma forma que outrora: viria para transgredir as normas e os costumes, viria para dar alento e esperança aos marginalizados. É impossível ver o Cristo que aprendi a amar indignar-se com o tal transexual na Parada Gay de São Paulo. É bem mais fácil visualizar o Cristo que aprendi a amar ficar muito bravo e sair quebrando os sensores de metais do Templo de Salomão do Bispo Edir de Macedo – ah, disso não tenho dúvidas – do que vê-lo reprovar aquele transexual! É mais fácil ver o Cristo que aprendi a amar olhar de cara feia para Edir, Valdemiro, Malafaia e Feliciano e dizer que eles devem entregar toda a riqueza aos pobres se quiserem entrar no reino dos céus, do que vê-lo na companhia dos vendilhões da fé. É mais fácil ver o Cristo que aprendi a amar olhar com infinita compaixão para as milhares de pessoas queimadas nas fogueiras da Inquisição, do que aproximar-se do Vaticano e admirar a obra de Michelangelo. Porque o Cristo que aprendi a amar é sinônimo de AMOR.

Estava aqui, pensando com os meus botões, quando li um pequeno texto de um ilustre desconhecido que fez toda a diferença e impulsionou a vontade de também escrever. Eis o texto:

“O que Jesus faria se visse a transexual na cruz?
Creio que ele subiria naquele trio elétrico, e diria baixinho em seu ouvido: "eu sei o que você está passando..."
Depois disso, a tiraria da cruz e, abraçado a ela, atravessaria a Avenida Paulista, cuidando de suas mais profundas dores.
A cruz?
Ficaria lá, vazia... como sempre deveria ficar.
Escândalo é uma sociedade que ainda crucifica pessoas...”
José Barbosa Junior, São Paulo.

É isso. Após fazer um profundo exame da iconografia cristã, não consigo ver ofensa alguma na interpretação artística da transexual Viviany Belebony. Se o Cristo que aprendi a amar observasse a cena, talvez mandasse quem não tivesse pecados atirar a primeira pedra. Sim, porque o Cristo que eu aprendi a amar é o próprio AMOR e jamais estaria crucificado, porque ele vive eternamente em cada um de nós. Cada um de nós traz, dentro de si, a centelha do divino.


* Fabiana Agra é advogada e jornalista.



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