Ontem,
lancei duas perguntas ao vento, e como bem me alertou o amigo Amauri Dantas, é
claro que não obtive respostas; porém, não as obtive porque as perguntas foram
meramente retóricas, eis que as respostas são fáceis de achar. A primeira: “se
Jesus voltasse nos dias de hoje, como ele seria?” – se o Cristo voltasse à
Terra hoje, certamente seria marginalizado e ridicularizado pela maioria,
seguido por uma minoria e, no fim, talvez não fosse crucificado, mas assassinado
da forma mais banal dos nossos tempos, caso criasse muita confusão para o
Estado; caso contrário, talvez fosse mais uma voz dissonante nesse mundo cada
vez mais irracional e repleto de violência, por pregar a paz e o amor entre
todos nós. A segunda pergunta, extensão da primeira: “Quem seriam as suas
companhias?”, é mais fácil ainda de responder – decerto não seria o Papa
Francisco, tampouco Malafaia. Até porque, muito provavelmente e se seguirmos o script do Novo Testamento, o Jesus de
agora nasceria em alguma periferia de uma grande cidade, junto a toda uma
classe de excluídos. E ele sentiria amor por todas aquelas pessoas; e ele
sentiria a dor de cada uma delas; e ele ficaria próximo daquela gente, daqueles
viciados, daqueles pivetes “menores de idade”, daqueles soropositivos, e de
tantos transexuais e homossexuais que, todas as noites, são assassinados mundo
afora.
Você
pode até achar que estou blasfemando; mas posso te garantir que não, apenas
faço o exercício de trazer para o século XXI, a Nazaré, a Galiléia e a
Jerusalém dos tempos de Jesus. Mais ainda: estou fazendo o exercício de lembrar
e de repassar a imagem do Cristo que trago no meu âmago desde as primeiras
linhas que aprendi a ler e que foram sobre esse Ser extraordinário. Porque
Jesus, o Cristo, ele transcende qualquer explicação racional; porque a sua
mensagem é de puro Amor; porque a sua passagem pela Terra foi para curar a
nossa dor e chamar a todos para uma vida sem sofrimento e sem morte. Este é o
Cristo que aprendi a conhecer e a amar, que transcende a qualquer religião e a
qualquer arauto que se julga representante dEle aqui na Terra. O resto é briga
por osso, o resto é delimitação de território e busca por lucro financeiro.
Nesse campo aí, eu já não me meto, tenho muito mais o que fazer do que discutir
dogmas e religiões. Jesus é maior do que qualquer igreja.
Então,
olhando para a face deste Cristo que aprendi a amar, eu continuo sem compreender
a razão de tanta polêmica por parte de religiosos e crentes das mais diversas
matizes cristãs, ao verem um transexual travestido de crucificado. Até agora
não consegui compreender por que tanto ódio disseminado em nome de Jesus, se
ele mesmo saía ao encontro de todos os marginalizados de sua época...
Quer
dizer que a figura iconográfica do “Cristo crucificado” pode ser representada
por artistas globais em Nova Jerusalém, pelo meu amigo João Andrade na Paixão
de Cristo de Cuité e até por Neymar na capa da revista Placar, mas não pode ser
representado por um transexual que deve sofrer horrores na vida que vive?!? É
isso mesmo?!? Certamente o Cristo que aprendi a amar viria, nos dias de hoje,
da mesma forma que outrora: viria para transgredir as normas e os costumes,
viria para dar alento e esperança aos marginalizados. É impossível ver o Cristo
que aprendi a amar indignar-se com o tal transexual na Parada Gay de São Paulo.
É bem mais fácil visualizar o Cristo que aprendi a amar ficar muito bravo e
sair quebrando os sensores de metais do Templo de Salomão do Bispo Edir de
Macedo – ah, disso não tenho dúvidas – do que vê-lo reprovar aquele transexual!
É mais fácil ver o Cristo que aprendi a amar olhar de cara feia para Edir,
Valdemiro, Malafaia e Feliciano e dizer que eles devem entregar toda a riqueza
aos pobres se quiserem entrar no reino dos céus, do que vê-lo na companhia dos
vendilhões da fé. É mais fácil ver o Cristo que aprendi a amar olhar com
infinita compaixão para as milhares de pessoas queimadas nas fogueiras da
Inquisição, do que aproximar-se do Vaticano e admirar a obra de Michelangelo.
Porque o Cristo que aprendi a amar é sinônimo de AMOR.
Estava
aqui, pensando com os meus botões, quando li um pequeno texto de um ilustre
desconhecido que fez toda a diferença e impulsionou a vontade de também
escrever. Eis o texto:
“O que Jesus faria se visse a
transexual na cruz?
Creio que ele subiria naquele trio elétrico, e
diria baixinho em seu ouvido: "eu sei o que você está passando..."
Depois disso, a tiraria da cruz e, abraçado a ela,
atravessaria a Avenida Paulista, cuidando de suas mais profundas dores.
A cruz?
Ficaria lá, vazia... como sempre deveria ficar.
Escândalo é uma sociedade que ainda crucifica
pessoas...”
José Barbosa Junior, São Paulo.
É
isso. Após fazer um profundo exame da iconografia cristã, não consigo ver
ofensa alguma na interpretação artística da transexual Viviany Belebony. Se o
Cristo que aprendi a amar observasse a cena, talvez mandasse quem não tivesse
pecados atirar a primeira pedra. Sim, porque o Cristo que eu aprendi a amar é o
próprio AMOR e jamais estaria crucificado, porque ele vive eternamente em cada
um de nós. Cada um de nós traz, dentro de si, a centelha do divino.
*
Fabiana Agra é advogada e jornalista.