quarta-feira, 10 de junho de 2015

O CRISTO QUE APRENDI A AMAR, por Fabiana Agra*


Ontem, lancei duas perguntas ao vento, e como bem me alertou o amigo Amauri Dantas, é claro que não obtive respostas; porém, não as obtive porque as perguntas foram meramente retóricas, eis que as respostas são fáceis de achar. A primeira: “se Jesus voltasse nos dias de hoje, como ele seria?” – se o Cristo voltasse à Terra hoje, certamente seria marginalizado e ridicularizado pela maioria, seguido por uma minoria e, no fim, talvez não fosse crucificado, mas assassinado da forma mais banal dos nossos tempos, caso criasse muita confusão para o Estado; caso contrário, talvez fosse mais uma voz dissonante nesse mundo cada vez mais irracional e repleto de violência, por pregar a paz e o amor entre todos nós. A segunda pergunta, extensão da primeira: “Quem seriam as suas companhias?”, é mais fácil ainda de responder – decerto não seria o Papa Francisco, tampouco Malafaia. Até porque, muito provavelmente e se seguirmos o script do Novo Testamento, o Jesus de agora nasceria em alguma periferia de uma grande cidade, junto a toda uma classe de excluídos. E ele sentiria amor por todas aquelas pessoas; e ele sentiria a dor de cada uma delas; e ele ficaria próximo daquela gente, daqueles viciados, daqueles pivetes “menores de idade”, daqueles soropositivos, e de tantos transexuais e homossexuais que, todas as noites, são assassinados mundo afora.

Você pode até achar que estou blasfemando; mas posso te garantir que não, apenas faço o exercício de trazer para o século XXI, a Nazaré, a Galiléia e a Jerusalém dos tempos de Jesus. Mais ainda: estou fazendo o exercício de lembrar e de repassar a imagem do Cristo que trago no meu âmago desde as primeiras linhas que aprendi a ler e que foram sobre esse Ser extraordinário. Porque Jesus, o Cristo, ele transcende qualquer explicação racional; porque a sua mensagem é de puro Amor; porque a sua passagem pela Terra foi para curar a nossa dor e chamar a todos para uma vida sem sofrimento e sem morte. Este é o Cristo que aprendi a conhecer e a amar, que transcende a qualquer religião e a qualquer arauto que se julga representante dEle aqui na Terra. O resto é briga por osso, o resto é delimitação de território e busca por lucro financeiro. Nesse campo aí, eu já não me meto, tenho muito mais o que fazer do que discutir dogmas e religiões. Jesus é maior do que qualquer igreja.

Então, olhando para a face deste Cristo que aprendi a amar, eu continuo sem compreender a razão de tanta polêmica por parte de religiosos e crentes das mais diversas matizes cristãs, ao verem um transexual travestido de crucificado. Até agora não consegui compreender por que tanto ódio disseminado em nome de Jesus, se ele mesmo saía ao encontro de todos os marginalizados de sua época...

Quer dizer que a figura iconográfica do “Cristo crucificado” pode ser representada por artistas globais em Nova Jerusalém, pelo meu amigo João Andrade na Paixão de Cristo de Cuité e até por Neymar na capa da revista Placar, mas não pode ser representado por um transexual que deve sofrer horrores na vida que vive?!? É isso mesmo?!? Certamente o Cristo que aprendi a amar viria, nos dias de hoje, da mesma forma que outrora: viria para transgredir as normas e os costumes, viria para dar alento e esperança aos marginalizados. É impossível ver o Cristo que aprendi a amar indignar-se com o tal transexual na Parada Gay de São Paulo. É bem mais fácil visualizar o Cristo que aprendi a amar ficar muito bravo e sair quebrando os sensores de metais do Templo de Salomão do Bispo Edir de Macedo – ah, disso não tenho dúvidas – do que vê-lo reprovar aquele transexual! É mais fácil ver o Cristo que aprendi a amar olhar de cara feia para Edir, Valdemiro, Malafaia e Feliciano e dizer que eles devem entregar toda a riqueza aos pobres se quiserem entrar no reino dos céus, do que vê-lo na companhia dos vendilhões da fé. É mais fácil ver o Cristo que aprendi a amar olhar com infinita compaixão para as milhares de pessoas queimadas nas fogueiras da Inquisição, do que aproximar-se do Vaticano e admirar a obra de Michelangelo. Porque o Cristo que aprendi a amar é sinônimo de AMOR.

Estava aqui, pensando com os meus botões, quando li um pequeno texto de um ilustre desconhecido que fez toda a diferença e impulsionou a vontade de também escrever. Eis o texto:

“O que Jesus faria se visse a transexual na cruz?
Creio que ele subiria naquele trio elétrico, e diria baixinho em seu ouvido: "eu sei o que você está passando..."
Depois disso, a tiraria da cruz e, abraçado a ela, atravessaria a Avenida Paulista, cuidando de suas mais profundas dores.
A cruz?
Ficaria lá, vazia... como sempre deveria ficar.
Escândalo é uma sociedade que ainda crucifica pessoas...”
José Barbosa Junior, São Paulo.

É isso. Após fazer um profundo exame da iconografia cristã, não consigo ver ofensa alguma na interpretação artística da transexual Viviany Belebony. Se o Cristo que aprendi a amar observasse a cena, talvez mandasse quem não tivesse pecados atirar a primeira pedra. Sim, porque o Cristo que eu aprendi a amar é o próprio AMOR e jamais estaria crucificado, porque ele vive eternamente em cada um de nós. Cada um de nós traz, dentro de si, a centelha do divino.


* Fabiana Agra é advogada e jornalista.



A Guerra dos Bárbaros - Parte II


PARTE II

O genocídio dos tarairiús 
O ápice do conflito se deu na região do Açu, no Rio Grande do Norte e o palco da última batalha da guerra foi o Acauã, mais precisamente na Serra da Rajada. Noticiando os acontecimentos bélicos na ribeira do Carnaúba, um bando de 1689 detalhava a guerra violenta[1]. Na Casa-Forte do Cuó ficaram abrigados sucessivos terços militares enviados pela Coroa para o combate aos índios revoltados, como as do Coronel Antonio de Albuquerque da Câmara a partir de 1687 (co-proprietário da data de sesmaria da Ribeira do Acauã) e posteriormente do Mestre-de-campo do Terço dos Paulistas, Domingos Jorge Velho. Também as tropas do Coronel Jerônimo Cavalcanti de Albuquerque e do Capitão-mor Afonso de Albuquerque Maranhão estiveram alojadas na mesma casa-forte. Não é coincidência, portanto, que dentre os comandantes de terços enviados para combater os tapuias revoltados contra a penetração luso-brasílica estivessem, justamente, co-proprietários da sesmaria da ribeira do Acauã. Nessa ribeira foram registrados dois grandes massacres cometidos contra os nativos no decurso dessas guerras. O primeiro, ocorrido na serra da Rajada, que se localiza entre os municípios de Acari, Carnaúba dos Dantas, Jardim do Seridó e Parelhas, no período de 26 a 30 de outubro de 1689. O resultado foi a morte de mil e quinhentos indígenas e prisão de trezentos, além da morte de trinta homens das tropas de Domingos Jorge Velho. Os sobreviventes do combate dispersaram-se, indo parar no lugar chamado por eles de Queicar xuc, que significa Saco do Xiquexique. O outro combate ocorreu na serra da Acauã, situada entre os municípios de Acari e Currais Novos, em 04 de outubro de 1690, no qual foram presos mais de mil índios, havendo mortos em grande quantidade[2].
Diante de todas as estratégias de luta contra os inimigos portugueses, os janduís foram derrotados na ribeira do Seridó, pela bandeira chefiada por Domingos Jorge Velho e finalmente tiveram o seu principal, denominado de Canindé, capturado e preso. O historiador Ricardo Pinto Negreiros lembra que a guerra contra os janduí durou até dez de abril de 1692, quando foram feitas as pazes entre o governador geral do Brasil Antônio Luiz Gonçalves da Câmara Coutinho e os tarairiús, que haviam ido dos campos do Açu a Salvador pedir pazes. A relação de índios mortos e aprisionados é desconcertante e torna mais sombria a figura do bandeirante paulista. No entanto, esse seguia, com método, as frias recomendações etnocidas como aquela expedida pelo Governador Geral, em 1688, ao capitão Manoel Abreu Soares, combatente na guerra contra os tapuias na ribeira do Açu.
Os números de indígenas mortos em combate expressam o despovoamento dos sertões, não o contrário; as guerras brasílicas assustavam os nobres de armas e brasões assinalados, pela crueza que não dava trégua aos prisioneiros e feridos nos campos de batalha. Empreendida com sucesso, a guerra de razia desocupou quase totalmente o Seridó da presença indígena ao custo do etnocídio, sem, no entanto, esvazia-lo completamente. Muitos se refugiaram em grotões sertanejos, em serras e outros logradouros de difícil acesso, mas, mesmo assim, um incerto número deles foi posteriormente aprisionado e aculturado[3]. Somente quando o sertão semiárido potencializou-se em deserto humano, em fins do século XVII e início do XVIII, é que chegaram com mais perenidade os homens brancos que se fixaram na Ribeira do Seridó, requerendo terras para a criação de gado.

O “desaparecimento” dos índios no Nordeste 
Em 1757, o então Ministro português Marquês de Pombal promulgou um Diretório que passou a regular os índios no Brasil. A legislação pombalina estava baseada no discurso da “liberdade dos índios”, determinando dentre outras medidas que os aldeamentos seriam elevados a categoria de Vilas, com a instalação de Câmaras de Vereadores, a nomeação de um diretor leigo responsável pelos indígenas, favorecendo ainda “para civilizar os índios” a moradia de não-índios em terras dos aldeamentos, incentivando os casamentos mistos, obrigando os indígenas ao trabalho agrícola e ao comércio. Com o Diretório de Pombal, proibiu-se aos indígenas seus próprios nomes, determinando usarem nomes e sobrenomes de famílias de Portugal, para se evitar que “na mesma povoação existissem muitas pessoas com o mesmo nome”. Tornou-se obrigatório o uso unicamente da língua portuguesa, entre outras medidas. A execução dessas diretrizes favoreceu os arrendatários ilegais, latifundiários, os “homens de bens”, vereadores que formavam as oligarquias políticas locais se apossaram dos territórios indígenas. Por tal razão, nas áreas mais antigas da colonização os indígenas foram dispersados, suas terras paulatinamente ocupadas, transformadas muitas delas em fazendas que originaram as cidades interioranas do Brasil. A legislação pombalina foi abolida por Carta Régia de1798, em função dos inúmeros abusos contra “a liberdade” e os bens indígenas. No século XIX, as Câmaras Municipais insistentemente solicitaram aos poderes públicos as terras dos antigos aldeamentos para patrimônio dos municípios, alegando a necessidade de expansão destes. Os vereadores legislavam em causa própria, uma vez que sendo a maioria deles invasores nas terras indígenas, com a medição e demarcação das terras dos aldeamentos, tiveram suas posses legitimadas. A partir de 1870 ,vários aldeamentos foram declarados oficialmente extintos no Nordeste, favorecendo os tradicionais esbulhos, legitimando-se os antigos invasores das terras indígenas.
Helder Macedo, no texto “Em busca dos desaparecidos: remanescentes indígenas no sertão do seridó (séculos XVIII e XIX), diz que: “desaparecidos ou não das terras sertanejas, pouco se fala sobre os índios; no máximo, ao conversarmos com nossos avós ou com idosos, escutamos histórias de índios bravios repetirem-se nesses enunciados orais”.  São histórias que remetem a caboclas-brabas e caboclos-brabos, que eram pegos “a dente de cachorro e casco de cavalo”. Segundo  Macedo, “cabocla” era o nome dado às índias que conseguiram se safar das Guerras dos Bárbaros, ficando escondidas nos altos das serras ou nas proximidades; para ele, “sobreviventes desses conflitos, demonstravam-se esquivas e contrárias ao desejo dos homens brancos de tornarem-nas esposas – ou simples matrizes procriadoras – ou apenas amansá-las, docilizando o seu estado selvagem”. Assim, através de anos de miscigenação, surgiu a figura do caboclo, que, todavia, permaneceu índio, questionando as visões preconceituosas, as teorias explicativas do desaparecimento indígena. Dessa forma, vários povos indígenas no Nordeste, invisíveis desde fins do século XIX, teceram uma história de resistência étnica afirmada nas primeiras décadas do século XX, em razão das pressões que recebiam com o avanço do latifúndio sobre as suas pequenas propriedades, sítios e glebas de terras onde permaneceram resistindo, mobilizaram-se para exigirem seus direitos históricos negados.
A presença de índias na formação das primeiras gerações das famílias do Seridó é sentida por Medeiros, que, referendada em autores regionais como Luís da Câmara Cascudo, Oswaldo Lamartine de Faria, Tarcísio Medeiros, Olavo de Medeiros Filho e José Augusto Bezerra de Medeiros afirma: “Uma das contribuições dadas pelos tapuias janduis (da nação Tarairius) para a formação do Seridó, foi a presença de suas ‘matrizes’, isto é, a utilização de suas mulheres por parte dos combatentes ‘brancos’ (nem sempre muito brancos), por ocasião do Levante do Gentio Tapuia e mesmo posteriormente à dita campanha. Nos muitos anos que ficou longe de ‘mulheres civilizadas’, a soldadesca aventureira usou e abusou da indiada aprisionada. Dessa amálgama surgiu o sertanejo típico. Muitos daqueles portugueses, recém-chegados da Europa, casaram-se no Seridó com mamelucas, filhas de brancos com mulheres tapuias. A cabeça fortemente braquecéfala, tão bem retratada pelos pintores de Nassau, ainda perdura nos sertões nordestinos.”
Expurgo, extermínio, desaparecimento, extinção: tudo leva a crer que os tarairiús realmente desapareceram do mapa do Seridó. As informações provenientes de documentação de época, como as do Cartório de Pombal, nos falam de combates com a participação do bandeirante Domingos Jorge Velho na serra da Rajada (próximo a Carnaúba dos Dantas) em 1689, donde saíram mortos mil e quinhentos índios e na serra da Acauã (próximo a Currais Novos) em 1690, de onde saíram mais de mil prisioneiros. Cifras que chocam pelos altos números, mas que nos expõem o quão brutal foi a penetração do mundo ocidental na América indígena.
O desaparecimento dos índios é uma fala constante nos escritos da historiografia clássica. Esse desaparecimento, no entanto, foi posto em xeque por Porto Alegre em Rompendo o Silêncio: por uma revisão do “desaparecimento” dos Povos Indígenas, onde problematiza esse desaparecimento afirmando que o mesmo surge para explicar a desorganização das sociedades tribais e justificar a expropriação de suas terras. Para o autor, os documentos civis da Colônia e do Império, quanto mais próximos da República, “tendem a negar a existência de índios – para que os não-índios possam apropriar-se de suas terras -, sentimento que (in)conscientemente era, também, apropriado por estes últimos”.




[1] (...) os combates ..... o gentio dos tapuios janduís ..... naquela serra rajada onde abelhas deste tipo predominam e fazem mel ..... na qual chegou ele dito Domingos Georges Velho aos vinte seis e até 30 aí permaneceu combatendo aqueles bárbaros do mês de outubro [de] 1689 .... do grande Combate do dia vinte e oito do mês de outubro de dito mês as tropas de Domingos Georges Velho teve de vitória mil e quinhentos tapuios mortos e trezentos presos tendo morrido das tropas 30 homens além d’outros (...)

[2] MEDEIROS FILHO, Olavo de. Notas para a História do Rio Grande do Norte, p. 114.

[3] Há relatos familiares até hoje na região do Seridó, de ancestrais indígenas que foram “pegos a dente de cachorro e casco de cavalo”, eram os caboclos e caboclas brabas que se confundiram com as linhagens seridoenses ou lhes serviram como mão-de-obra. A persistência deste tipo de narrativa, ainda viva na memória coletiva nos coloca diante do problema apontado por Julie Cavignac: “Será que, longe de uma visão unilateral que considera unicamente os efeitos destruidores de uma colonização europeia ainda em vigor, não seria mais interessante levantar a hipótese de que a configuração simbólica nativa contaminou os ‘brancos’ – e os ‘negros’!, a tal ponto que as representações do mundo humano, natural e sobrenatural encontram-se até hoje imbricadas até constituir um sistema coerente?”.

terça-feira, 9 de junho de 2015

A Guerra dos Bárbaros


PARTE I

Os motivos do conflito 
José Octávio de Arruda Mello, no livro “História da Paraíba: lutas e resistências”, lembra que a presença de entradistas e bandeirantes, pelo sertão da Paraíba, dispunha de outra motivação, além de espalhar o gado pelos campos do criatório. Tratava-se de prear índios, reduzidos ao cativeiro, para vendagem no litoral. Pessoas como Teodósio de Oliveira Lêdo encontravam-se, confessadamente, comprometidos com essa empreitada. Mas os índios reagiram, desencadeando a chamada “Guerra dos Bárbaros”, vigente nos sertões nordestinos, de 1680 a 1730, que recebeu também a denominação de Confederação dos Cariris. Só que não foram os cariris os responsáveis por esse procedimento, mas os tarairiú.
A historiadora carnaubense Maria da Paz Medeiros Dantas, por sua vez, explica que, concedidas as primeiras datas e sesmarias no interior semi-árido do Nordeste, certos grupos tapuias, principalmente aparentados dos janduís, começaram a sentir os efeitos negativos representados pela desapropriação de suas terras, indispensáveis à obtenção de sua alimentação baseada na caça, na pesca e na coleta de mel. Segundo a autora, “os vários grupos indígenas que dominavam as caatingas sertanejas, não viam com bons olhos a penetração do homem branco que chegava com gado, escravos e agregados e se instalava nas ribeiras mais férteis, afugentando os índios para as serras ou para as caatingas onde havia falta d’água durante quase todo o ano”. Convém salientar que em 1685, os janduís já demonstravam descontentamento. Em 1687, a situação se agravou, sendo descrita por Cascudo da seguinte forma: "Os índios corriam incendiando, matando o gado e os vaqueiros e plantadores do Sertão (...). Mais de cem homens mortos".
O Capitão-mor da capitania do Rio Grande, Pascoal Gonçalves de Carvalho, desesperado, solicitou socorro aos seus colegas Capitães-mores de Pernambuco e Paraíba, além do Senado da Câmara de Olinda. A situação era crítica, de fato. Os silvícolas avançavam rumo à capital. Atingiram Ceará-Mirim, próximo a Natal. Para se defenderem, os colonos construíram casas-fortes em Tamatanduba, Cunhaú, Goianinha, Mipibu, Guaraíras, Potengi, Utinga e Aldeia de São Miguel (Extremoz), - sendo que estas duas últimas, ficavam a poucos quilômetros da fortaleza dos Reis Magos.
Substancialmente, a tática colonizadora era a mesma do litoral, pois tratava-se de “dividir para reinar”, jogando os indígenas uns contra os outros. Como os tabajaras no litoral, os cariris fizeram-se aliados dos colonizadores, em face dos quais levantaram-se, com ousadia, os tarairiús. Por outro lado, os bandeirantes de Domingos Jorge Velho conduziram para o sertão da Paraíba escravos negros que, aculturados, depois de aprisionados em Palmares, foram utilizados contra os indígenas que resistiam. Aproveitando a luta, grupos de negros internaram-se pelos matos, sendo essa a origem de alguns quilombos sertanejos. Do lado da resistência indígena, notabilizaram-se os janduis, pegas, panatis e paiacus. Destes, os que não se internaram nos sertões do Rio Grande do Norte e Ceará foram exterminados. Essa a razão porque a contribuição do índio à civilização sertaneja, na Paraíba, é bem menor que no Ceará, onde artesanato e tipo físico dotado de cabeça chata são de procedência indígena.

As fases do conflito 
A Guerra dos Bárbaros passou por três momentos distintos: o primeiro rebentou na região norte-rio-grandense do Açu, onde os indígenas se apresentaram com armas de fogo e munições contrabandeadas pelos franceses. A segunda, de maior duração, teve lugar na Paraíba, ao longo de toda povoação de Bom Sucesso do Piancó, balizada pelo vale do Jucurutu, na fronteira com o Rio Grande do Norte, ao norte, vale do Pajeú, nos limites com Pernambuco, ao sul, sertão do Cariri, na Paraíba, a leste e sertão do Jaguaribe, no Ceará, onde ocorreu a derradeira fase da Guerra dos Bárbaros.

A figura dos sertanistas no conflito 
Na violência empregada contra os índios destacou-se Teodósio de Oliveira Lêdo, cujas milícias desempenharam o papel de polícia de segurança da época. Os mais implacáveis sertanistas acudiram às regiões do Piranhas e Piancó durante as batalhas do alto sertão da Paraíba. Um deles, o coronel Manoel de Araújo, deslocou-se com gado e cento e cinqüenta homens bem armados, de fazendas do rio São Francisco para a zona ocupada pelos índios coremas, que eram cariris. Mas o mais sanguinolento desses terços foi o dos paulistas, liderado pelo bandeirante Jorge Velho. O acampamento do sertanista situava-se na ribeira do Piranhas, fronteira com a Paraíba. Combateu no Seridó sem, no entanto, participar da última batalha da guerra cujo palco foi o Acauã. Ali ficou sob o comando das tropas, um cabo de seu terço que, conforme relato do capitão-mor Agostinho César de Andrade, "derrotou o gentio (...), e trouxeram mil e tantos prisioneiros".

A trajetória do conflito 
Para assegurar seus interesses e acabar com a ameaça dos tarairiús nas ribeiras do Açu e Seridó, o Capitão-mor do Rio Grande, Pascoal Gonçalves, a 24 de fevereiro de 1688, lança um bando "no qual declarava, em nome de Sua Majestade, que seriam perdoados de seus crimes aqueles que acudissem ao real serviço, fazendo guerra ao gentio". A Coroa portuguesa representada pelo Governador Geral do Brasil, Matias da Cunha, nesse mesmo ano, envia Terços dos Regimentos, equipados com armas de fogo e muitos homens para combater os bárbaros do Rio Grande.
Em 1692, a ocorrência de uma grande seca debilitaria os índios revoltosos, o que daria ensejo à assinatura de um "Tratado de Paz", firmado pelo Conselho Ultramarino, em 08 de janeiro de 1693, entre “o Rei Dom Pedro, de Portugal, e os Tapuyas dos Campos do Assu em nome do seu Rei Canindé”, nas palavras de Medeiros Filho. Por esse tratado, esses índios, estimados em doze a treze mil, prometiam cinco mil guerreiros para lutarem ao lado do português contra invasores estrangeiros ou tribos hostis, e em troca recebiam a garantia de uma área de dez léguas quadradas em torno de suas aldeias. Além disso, seriam considerados livres, não obstante devessem fornecer uma quota de trabalhadores para as fazendas de gado. Outros janduís, a exemplo dos do Seridó (canindés), vieram também a pedir paz aos portugueses, o que ocorreu aos 20 de setembro de 1695.
Apesar de todos os esforços e tentativas de se acabar com a Guerra dos Bárbaros, o intento não foi alcançado, o que levou o então governador geral Frei Manoel da Ressurreição, em 1690, empreender mudanças nas táticas e na estratégia de guerra até então colocada em prática contra os tarairiús. Em dois documentos estas mudanças foram explicitadas, de forma que se pudesse finalmente dar cabo dos indígenas tapuias nas capitanias do Norte do Brasil. Ainda permanecia o Regimento do mestre de campo Domingos Jorge Velho com todos os seus oficiais e o contingente que trouxera consigo de São Paulo, porém neste momento estava isento da autoridade do mestre de campo e governador da guerra, Matias Cardoso de Almeida, podendo empreender a guerra segundo a sua conveniência. A partir de então os rumos da guerra estariam, portanto definidos em direção ao extermínio completo, de uma forma ou de outra. Seja através da morte durante o conflito, pela escravidão ou pela redução completa e transformação dos tarairiús em caboclos. Foi na Capitania do Rio Grande, que em 1720, durante o governo de Luís Ferreira Freire, que ocorreu a última rebelião geral dos índios. Com a dizimação dos indígenas, ou então, com a dominação e o posterior aldeamento dos tapuias remanescentes em "missões" religiosas, o Seridó (como demais regiões do sertão potiguar e paraibano) começou a ser efetivamente ocupado, reacendendo-se o interesse pelas terras para a criação do gado bovino.


Justificativas das autoridades luso-brasileiras
Juciene Apolinário ressalta que, para justificar a guerra contra os indígenas, as autoridades coloniais tentavam relacionar a maneira daqueles de fazer a guerra com a crueldade e a falta de humanidade, “como atitudes que revelavam associação com o demônio e uma distância daquilo que era considerado cristão”. Os relatos dos luso-portugueses frisavam a inconstância, a falsidade e a barbaridade dos indígenas quando estes estavam numa situação de guerra, principalmente, quando esta guerra era contra os colonos brancos. Para os administradores e militares, portanto, esse era um comportamento totalmente fora do comum, e que por esse motivo muitas vezes era necessário que os soldados tivessem muito cuidado na guerra contra os tarairiús, ou poderiam ser facilmente enganados e vencidos por eles. Um artifício usado pelos indígenas durante a Guerra dos Bárbaros era que, no momento em que se sentiam encurralado,s numa situação extrema de perigo de morte, costumavam procurar abrigo em outros lugares pedindo as pazes às autoridades locais, e assim, continuavam sob proteção até que voltassem a fugir para o sertão novamente. Outro estratagema utilizado pelos tarairiús para exaurir os terços, era levar as tropas por caminhos e lugares de difícil locomoção, onde geralmente, havia escassez de água e de alimentos. Então, para os soldados dos terços era quase impossível compreender esta nova forma de empreender a guerra, pois contrariava as normas ditadas pelas guerras deflagradas na Europa. Por tais motivos, sempre a guerra contra os tarairiús foi considerada justa pelas autoridades administrativas e por isso mesmo deveria-se “degolar e no mínimo, escravizar esses indígenas”. 

domingo, 7 de junho de 2015

Movimento contra Dilma "micou"


Jornalista e escritor resgata a trajetória do movimento que se levantou contra o governo e o PT, desde as varandas com as panelas e a Avenida Paulista cheia à pequena manifestação pelo impeachment em Brasília no último dia 27, após uma marcha, que "tinha mais policiais do que manifestantes".
Fonte: O Estadão, 05/06/2015




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