Estou
aqui remoendo recordações e lembrando que a minha primeira grande decepção na
vida foi a eliminação da Seleção Brasileira na Copa de 1982. Naquele fatídico
dia, comecei a amar incondicionalmente a Seleção Brasileira, embalada que
estava pela raiva que sentia da seleção italiana. E fico aqui pensando: será que
nossa geração irá negar tais emoções à garotada de agora? E se sim, em nome de
quê? Será que a garotada de hoje vai virar adulta sem vivenciar o que é torcer
pelo Brasil em uma Copa do Mundo? No país da bola e do futebol, hoje está causando
vergonha em alguns, torcer pela Seleção Brasileira; esses poucos, mas
barulhentos, preferem a vil tentativa de melar a festa, de detratar o Brasil
perante os turistas que já estão desembarcando. E tudo em nome daquele
“complexo de vira-lata” tão bem explicado por Nelson Rodrigues; o termo, criado a partir do trauma vivido pelos
brasileiros na derrota para o Uruguai na final da Copa de 1950, traduz muito
mais do que o futebol, segundo Rodrigues: traduz a inferioridade em que o
brasileiro se coloca, perante o resto do mundo.
Hoje, mais de 60 anos
da Copa de 1950, o Brasil é outro mundo e, apesar de convivermos com sérios e
graves problemas, muita coisa melhorou principalmente no que diz respeito à
erradicação da miséria e à valorização da educação. Mas ainda há aqueles que
preferem ver o Brasil através do retrovisor, e continuam a utilizar aqueles
velhos jargões: "Só
no Brasil mesmo", "É
por isso que esse país não vai pra frente!", "o problema
é o povo brasileiro". Falar
mal de si e da terra natal, ao lado do futebol, também é uma antiga paixão
nacional do brasileiro. E nesses dias que antecedem a Copa do Mundo, é muita
churumela produzida por pessoas que preferem usar do artifício do “quanto pior,
melhor”, dando inclusive um viés eleitoreiro ao seu viralatismo.
Mas não apenas as pessoas
entraram nessa: há empresas que também estão fazendo esse papel – como a Ellus,
marca de roupa que, ao lançar sua coleção primavera-verão, apropriou-se da onda
indignatória contra a Copa e lançou a campanha: "# Protesto Ellus: Abaixo Este Brasil Atrasado".
E, nesse caso específico a empresa é tão medíocre, que esqueceu que ela própria utiliza mão de obra escrava nas suas confecções – então, quem é o atrasado
aqui, cara pálida?
E
continuarmos a assistir, dia-após-dia, através da mídia e das redes sociais,
uma enxurrada de reclamações acerca dos atrasos nas obras, dos valores muito
acima do previsto, processos e problemas de infraestrutura. Ok, problema existem, mas qual foi o país onde tudo
aconteceu a tempo e às mil maravilhas? Querem exemplo? Na Inglaterra, a reconstrução
do estádio de Wembley foi palco de inúmeros atrasos, no final a obra custou o
equivalente a dois Maracanãs e foi palco da morte de um operário. Aí tem o caso
do atraso no estádio da Polônia, por ocasião da Eurocopa de 2012, e por aí vai.
Tudo igual em todos os lugares, os atrasos e superfaturamentos não são
exclusividade do Brasil. O que precisa sim, é que os desmandos e roubalheiras
sejam apurados – mas tentar melar o evento, jamais!
É público e notório que, no Brasil, o
que não falta é problema: a violência campeia por todos os bairros das grandes
e médias cidades, a droga está ceifando vidas de milhares de jovens, a corrupção
continua a florescer em todos os rincões; no Brasil, há ainda uma enorme
desigualdade social, aliada à má qualidade dos serviços públicos. Mas o
complexo de vira-lata de muitos impede que eles enxerguem os avanços alcançados
pelo Brasil. E a elite brasileira, por sua vez, não
gosta nada do que está acontecendo no país: combate-se a pobreza, o povo começa
a sair da miséria, os pobres estão se misturando aos ricos nos aeroportos, e,
pasmem!, colocando seus filhos para estudar nas universidades. É claro que isso
é inaceitável para a elite, que prefere ter aquele grande contingente de pobres
como reserva de mercado, para preencherem os cargos de porteiro, frentista,
faxineira, empregada doméstica...
A Copa deveria servir para mostrar ao
mundo o que o Brasil tem a oferecer e a nossa luta em combater problemas
seculares; mas não, o viralatismo que ainda impera entre nós, impede ações
proativas, querem anular o nosso papel enquanto país anfitrião. Estou aqui
imaginando um turista estrangeiro, que veio
curtir o evento futebolístico, tomar spray de pimenta e porrada! Gente, isso é
inconcebível, o brasileiro não se pode voltar contra si mesmo! Gerar o caos na
Copa pode trazer consequências terríveis para a economia do país, sempre atrelada
à confiança externa. E, desde o ano passado, percebi que tais manifestações de
rua nada tem a ver com legítimas reivindicações: a real intenção é desgastar a
presidenta Dilma, numa manobra orquestrada pela elite, que vai para as ruas em
nome da continuidade de mais de 500 anos de dominação e exploração.
Para
lutar pelos nossos direitos, não precisamos ser inimigos do nosso país, não! E para quem quer defender a oposição, também não precisa sair trucidando o Brasil, onde
já se viu? Mas, caso você persista em fazer palhaçada e continuar espalhando um
falso armagedom, me faça ao menos um favor: não seja hipócrita ao ponto de ver o jogo na
TV!
Enfim, está chegando a hora e nós, que somos todos mais Brasil, não podemos
ser intimidados pelos que sequer sabem do que se envergonham. Termino com uma
frase que pesquei na internet, ao mesmo tempo em que peço desculpa aos
verdadeiros vira-latas, cães fieis, que jamais fazem um gesto de deslealdade
para com seus companheiros humanos.
"A Copa deveria
servir como vitrine de um país empenhado em resolver seus problemas, e não como
Muro das Lamentações do viralatismo nacional."
* Fabiana Agra é
advogada, jornalista e escritora.