Em
fevereiro de 2015, a Câmara Municipal de Picuí aprovou um projeto de lei, de
iniciativa do vereador Vidal, que versa sobre uma pretensa “Escola sem partido”.
A lei seria mais uma que passaria despercebida (até ser “sacada” do escaninho
para prejudicar algum profissional), não fosse a observação atenta e pontual de
alguns professores picuienses que, através das redes sociais, começaram a denunciar
a mordaça a que serão submetidos, caso a Câmara de Picuí não reveja sua posição
ou o prefeito Acácio não vete a lei.
No
momento em que o debate tomou corpo nas redes sociais, eu fui provocada a
participar – foi então que comecei a pesquisar o que estava por trás da tal
lei. E o que eu vi me deixou preocupada, deveras preocupada.
O movimento
“Escola sem partido”, criado em 2004, é uma iniciativa do advogado Miguel
Vacico Nagib, que coordena um site, onde apresenta um anteprojeto de lei para
ser aprovado no Congresso Nacional e nas Assembleias Legislativas. Justamente
desse site foi retirado o projeto de lei picuiense – sem tirar nem por qualquer
palavra, o projeto é tal e qual.
“Escola sem partido” seria um dos milhões de
sites anônimos e sem visibilidade, espelhados no mundo cibernético, não fosse o
recrudescimento, em terras brasileiras, do conservadorismo anacrônico e do fundamentalismo
religioso, representados na política pelas figuras de Feliciano, Bolsonaro e
Cunha. O resultado é que a família Bolsonaro – defensora da ditadura militar
– capitaneou a iniciativa, tendo inclusive Flávio Bolsonaro, deputado fluminense,
apresentado o projeto de lei análogo ao picuiense na Assembléia Legislativa do
Rio de Janeiro, ainda no ano de 2014. No Rio, o projeto está para ser
analisado. E pude observar também que já há iniciativas em alguns municípios
brasileiros, por parte dos seus edis, no sentido de apresentarem a cria do
advogado Nagib.
Ao
analisar a lei, parei em seu segundo artigo, que reza o seguinte: “É vedada a
prática de doutrinação política e ideológica em sala de aula, bem como a
veiculação, em disciplina obrigatória, de conteúdos que possam estar em
conflito com as convicções religiosas ou morais dos estudantes ou de seus pais
ou responsáveis”. Confesso que o texto causou-me náuseas, por querer inverter o
papel da escola e dos professores em uma sociedade democrática.
Embora o texto do projeto não exemplifique, o
movimento é uma blindagem contra possíveis intervenções de secretarias
municipais, estaduais ou até mesmo do Ministério da Educação que possam sugerir
a ideologia de gênero ou a ideologia política na grade curricular dos ensinos
básico e médio. Ou até barrar iniciativas de educação sexual, vejam só.
Dessa forma a pluralidade da escola pública ficará
comprometida em Picuí, uma vez que, em qualquer democracia do mundo, o cidadão
deve ser livre para fazer e saber escolher; para tanto, ele precisa e tem
assegurado o direito a conhecer outros fatos e outras histórias, sob os mais
diversos ângulos. Em contrapartida, o Poder Público tem o dever de dar o conhecimento
e a liberdade de escolha, pois sabe-se que “credo religioso”, “sexualidade” e “cor
político-partidária”, são condições e identidades que o indivíduo constrói ao
longo de sua vida e de sua vivência no meio social.
É preciso explicitar que aqueles
pais – e parlamentares – que não concordem com a visão pluralista da educação
pública e que queiram educar seus filhos em uma bolha segundo as suas próprias
ideologias, que os mesmos devem procurar escolas particulares que compactuem com
suas convicções, pois a Escola Pública deve ser inclusiva e aberta ao debate de
idéias. Por óbvio que a Escola Pública não pode interferir na escolha da
religião, estilo de vida e agremiações partidárias. Deve-se, sim, estimular o
conhecimento das escolhas feitas, estimular as pesquisas e orientar sobre
responsabilidade, direito e dever.
O debate
no âmbito da escola pública precisa ser plural, não pode regredir ao
reducionismo, já que esta tem como objetivo maior a formação para a democracia,
além de instrumentalizar o aluno para a compreensão da realidade que o rodeia,
bem como a formação para o pleno exercício
da cidadania. Estes são pontos determinantes em nosso tempo, e que devem ser
preenchidos pela ideia de respeito à diversidade. Mas, apesar dos avanços na pauta dos direitos civis,
ainda vivemos em um país onde a opressão às ditas “minorias” é ainda muito
evidente. O racismo, a homofobia, a xenofobia e o preconceito de classe
permeiam todas as relações sociais.
Para ficar apenas em um exemplo, transcrevo
notícia do site Extra – e que exemplo triste, mas pontual: “o adolescente Peterson Ricardo de Oliveira, de 14 anos, morreu,
na tarde dessa segunda-feira. O garoto estava internado, em coma, no Hospital
Regional de Ferraz de Vasconcelos, na Grande São Paulo, com hemorragia
cerebral, desde o último dia 5. Segundo o pai do jovem, Márcio Nogueira, ele
teria sido vítima de um espancamento dentro de uma escola pública na Vila
Jamil, na manhã desta quinta-feira. Em entrevista ao portal R7, o pai disse que
o garoto foi agredido por ser filho de um casal gay”. Percebem a gravidade do
problema?
Portanto, é tarefa da
escola fazer a crítica e dar a formação necessária ao alunado para romper este
quadro de discriminação; tal objetivo só é alcançado tendo o professor a
autonomia de ensinar. E, diga-se de passagem, ter autonomia não exime o
profissional de ser responsabilizado, caso faça apologia a partido “A” ou “B”.
Entendam isso, de uma vez por todas!
E para
aqueles que ainda falam em neutralidade: não, não existe neutralidade absoluta
em lugar algum, seja na mídia, seja na escola, seja na feira-livre – tudo e
todos tem um lado. A diferença é que há os que são sectários, que vivem em um
mundo particular que consideram o certo, o santo, o divino. São estes que querem
calar os professores picuienses, profissionais que apenas mostram que não há
apenas um ponto de vista e que a vida é plural.
É, estão querendo calar os
professores picuienses como quiseram calar Giordano Bruno e Galileu Galilei. No
entanto é a terra que se move, vereadores, aprendam...
A
educação deve ser emancipadora. A resistência, por parte de propostas como o
movimento “Escola Sem Partido”, só demonstra que essa tarefa é ainda muito
árdua. Vivemos tempos difíceis, muito difíceis.
À luta!
Avante!
*
Fabiana Agra é advogada e jornalista
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