terça-feira, 10 de março de 2015

O OVO DA SERPENTE SENDO CHOCADO EM TERRAS PICUIENSES


Em fevereiro de 2015, a Câmara Municipal de Picuí aprovou um projeto de lei, de iniciativa do vereador Vidal, que versa sobre uma pretensa “Escola sem partido”. A lei seria mais uma que passaria despercebida (até ser “sacada” do escaninho para prejudicar algum profissional), não fosse a observação atenta e pontual de alguns professores picuienses que, através das redes sociais, começaram a denunciar a mordaça a que serão submetidos, caso a Câmara de Picuí não reveja sua posição ou o prefeito Acácio não vete a lei.

No momento em que o debate tomou corpo nas redes sociais, eu fui provocada a participar – foi então que comecei a pesquisar o que estava por trás da tal lei. E o que eu vi me deixou preocupada, deveras preocupada.

O movimento “Escola sem partido”, criado em 2004, é uma iniciativa do advogado Miguel Vacico Nagib, que coordena um site, onde apresenta um anteprojeto de lei para ser aprovado no Congresso Nacional e nas Assembleias Legislativas.  Justamente desse site foi retirado o projeto de lei picuiense – sem tirar nem por qualquer palavra, o projeto é tal e qual.

 “Escola sem partido” seria um dos milhões de sites anônimos e sem visibilidade, espelhados no mundo cibernético, não fosse o recrudescimento, em terras brasileiras, do conservadorismo anacrônico e do fundamentalismo religioso, representados na política pelas figuras de Feliciano, Bolsonaro e Cunha. O resultado é que a família Bolsonaro – defensora da ditadura militar – capitaneou a iniciativa, tendo inclusive Flávio Bolsonaro, deputado fluminense, apresentado o projeto de lei análogo ao picuiense na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, ainda no ano de 2014. No Rio, o projeto está para ser analisado. E pude observar também que já há iniciativas em alguns municípios brasileiros, por parte dos seus edis, no sentido de apresentarem a cria do advogado Nagib.

Ao analisar a lei, parei em seu segundo artigo, que reza o seguinte: “É vedada a prática de doutrinação política e ideológica em sala de aula, bem como a veiculação, em disciplina obrigatória, de conteúdos que possam estar em conflito com as convicções religiosas ou morais dos estudantes ou de seus pais ou responsáveis”. Confesso que o texto causou-me náuseas, por querer inverter o papel da escola e dos professores em uma sociedade democrática.

Embora o texto do projeto não exemplifique, o movimento é uma blindagem contra possíveis intervenções de secretarias municipais, estaduais ou até mesmo do Ministério da Educação que possam sugerir a ideologia de gênero ou a ideologia política na grade curricular dos ensinos básico e médio. Ou até barrar iniciativas de educação sexual, vejam só.

Dessa forma a pluralidade da escola pública ficará comprometida em Picuí, uma vez que, em qualquer democracia do mundo, o cidadão deve ser livre para fazer e saber escolher; para tanto, ele precisa e tem assegurado o direito a conhecer outros fatos e outras histórias, sob os mais diversos ângulos. Em contrapartida, o Poder Público tem o dever de dar o conhecimento e a liberdade de escolha, pois sabe-se que “credo religioso”, “sexualidade” e “cor político-partidária”, são condições e identidades que o indivíduo constrói ao longo de sua vida e de sua vivência no meio social.

É preciso explicitar que aqueles pais – e parlamentares – que não concordem com a visão pluralista da educação pública e que queiram educar seus filhos em uma bolha segundo as suas próprias ideologias, que os mesmos devem procurar escolas particulares que compactuem com suas convicções, pois a Escola Pública deve ser inclusiva e aberta ao debate de idéias. Por óbvio que a Escola Pública não pode interferir na escolha da religião, estilo de vida e agremiações partidárias. Deve-se, sim, estimular o conhecimento das escolhas feitas, estimular as pesquisas e orientar sobre responsabilidade, direito e dever.

O debate no âmbito da escola pública precisa ser plural, não pode regredir ao reducionismo, já que esta tem como objetivo maior a formação para a democracia, além de instrumentalizar o aluno para a compreensão da realidade que o rodeia, bem como a formação para o  pleno exercício da cidadania. Estes são pontos determinantes em nosso tempo, e que devem ser preenchidos pela ideia de respeito à diversidade. Mas, apesar dos avanços na pauta dos direitos civis, ainda vivemos em um país onde a opressão às ditas “minorias” é ainda muito evidente. O racismo, a homofobia, a xenofobia e o preconceito de classe permeiam todas as relações sociais. 

Para ficar apenas em um exemplo, transcrevo notícia do site Extra – e que exemplo triste, mas pontual: “o adolescente Peterson Ricardo de Oliveira, de 14 anos, morreu, na tarde dessa segunda-feira. O garoto estava internado, em coma, no Hospital Regional de Ferraz de Vasconcelos, na Grande São Paulo, com hemorragia cerebral, desde o último dia 5. Segundo o pai do jovem, Márcio Nogueira, ele teria sido vítima de um espancamento dentro de uma escola pública na Vila Jamil, na manhã desta quinta-feira. Em entrevista ao portal R7, o pai disse que o garoto foi agredido por ser filho de um casal gay”. Percebem a gravidade do problema?

Portanto, é tarefa da escola fazer a crítica e dar a formação necessária ao alunado para romper este quadro de discriminação; tal objetivo só é alcançado tendo o professor a autonomia de ensinar. E, diga-se de passagem, ter autonomia não exime o profissional de ser responsabilizado, caso faça apologia a partido “A” ou “B”. Entendam isso, de uma vez por todas!

E para aqueles que ainda falam em neutralidade: não, não existe neutralidade absoluta em lugar algum, seja na mídia, seja na escola, seja na feira-livre – tudo e todos tem um lado. A diferença é que há os que são sectários, que vivem em um mundo particular que consideram o certo, o santo, o divino. São estes que querem calar os professores picuienses, profissionais que apenas mostram que não há apenas um ponto de vista e que a vida é plural. 

É, estão querendo calar os professores picuienses como quiseram calar Giordano Bruno e Galileu Galilei. No entanto é a terra que se move, vereadores, aprendam...

A educação deve ser emancipadora. A resistência, por parte de propostas como o movimento “Escola Sem Partido”, só demonstra que essa tarefa é ainda muito árdua. Vivemos tempos difíceis, muito difíceis.

À luta! Avante!
  
* Fabiana Agra é advogada e jornalista



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