A Comissão de Constituição
e Justiça (CCJ) da Câmara homenageou, da forma mais perversa, os 51 anos do golpe
militar no Brasil, ao aprovar, nesse 31 de março, o voto em separado do
deputado Marcos Rogério (PDT-RO), favorável à admissibilidade da PEC 171/93 (que reduz a maioridade
penal de 18 para 16 anos). E o placar nem foi apertado: 42 votos a favor e 17
contra. Gol de placa da turma dos reacionários, pelo que vimos.
Antes, foi rejeitado o
relatório do deputado Luiz Couto (PT-PB), contrário à proposta de redução da
maioridade penal. O paraibano argumentara, acertadamente, que o projeto fere cláusula
pétrea da Constituição, o
que a tornaria inconstitucional. Já no parecer vencedor, Marcos Rogério afirma
que a redução da maioridade penal “tem como objetivo evitar que jovens cometam
crimes na certeza da impunidade”. Ele defendeu que a idade para a imputação
penal não é imutável. "Não entendo que o preceito a ser mudado seja uma
cláusula pétrea, porque esse é um direito que muda na sociedade, dentro de
certos limites, e que pode ser estudado pelos deputados", disse.
E pelo que estamos
assistindo, confortavelmente da poltrona, trata-se de mais uma briga entre direita,
esquerda e os do muro: PT, Psol, PPS, PSB e PCdoB votaram contra a proposta. Os
partidos favoráveis à aprovação da admissibilidade foram PSDB, PSD, PR, DEM,
PRB, PTC, PV, PTN, PMN, PRP, PSDC, PRTB. Já os que liberaram suas bancadas
porque havia deputados contra e a favor foram os seguintes: PMDB, PP, PTB, PSC,
SD, Pros, PHS, PDT, e PEN.
Tão logo foi aprovada a
admissibilidade da PEC 171/93 – que estava engavetada há mais de 20 anos –
começaram a pipocar editoriais em todos os sites de notícia e de opinião. Mas o
texto que realmente deu o tom e matou a charada, foi o do “Blog da Cidadania”
que explicou as razões pelas quais o PSDB insistiu em desengavetar um projeto
de emenda constitucional que estava dormindo em berço esplêndido e sem hora
para acordar. Transcrevo o texto na íntegra, pela sua pertinência:
“Para entendermos o que está acontecendo, voltemos a recente pesquisa
Datafolha que deu conta de queda ainda maior da popularidade (avaliações
bom e ótimo) do governo Dilma Rousseff, agora em 13%. Essa mesma pesquisa
mostrou que a imagem do Congresso é ainda pior, com aprovação de 9%. É nesse
contexto que se insere a tendência da maioria da Comissão de Constituição e
Justiça da Câmara dos Deputados de colocar para tramitar, de uma hora para
outra, um texto que está em debate naquela Casa há 23 anos e que jamais
prosperou pela pura e simples razão de que é inconstitucional.
Setores da Câmara, portanto, querem fazer média com a população. Outras
pesquisas de opinião mostram que cerca de 90% dos brasileiros acreditam no
conto do vigário de que reduzir a idade de responsabilização penal reduziria
criminalidade. Desse modo, mesmo com o previsível veto do Supremo Tribunal
Federal a uma tentativa de mudança de cláusula pétrea da Constituição, o
Congresso passaria à sociedade a ideia de que tentou fazer o que ela queria, o
que, supõem esses políticos demagogos, render-lhes-ia dividendos políticos”.
Neste apressado artigo, não irei
tratar dos pormenores da inconstitucionalidade da medida, farei isso na próxima
ocasião – até porque o assunto irá render muitos panos para as mangas de
políticos e da população. Fica aqui apenas o registro de terem acordado uma PEC
adulta – eis que dormia candidamente há 23 anos, em pleno 31 de março...
Antes que me perguntem, eu já explico
como será a tramitação da PEC 171/93. Vamos lá: ontem,
no chamado “exame da admissibilidade”, a CCJ analisou apenas a
constitucionalidade, a legalidade e a técnica legislativa da PEC. A partir de
agora, a Câmara dos Deputados criará uma comissão especial para examinar o
conteúdo da proposta – juntamente com 46 emendas apresentadas nos últimos 22 anos,
desde que a proposta original passou a tramitar na Casa – mas querem apostar
que esta emenda correrá os 100 metros rasos? Após, a comissão especial terá o
prazo de 40 sessões do Plenário para dar seu parecer. Em seguida, a PEC deverá
ser votada pelo Plenário da Câmara em dois turnos. Para ser aprovada, precisa
de pelo menos 308 votos (3/5 dos deputados) em cada uma das votações.
Depois de aprovada na
Câmara, seguirá para o Senado, onde será analisada pela Comissão de
Constituição e Justiça e depois pelo Plenário, onde precisa ser votada
novamente em dois turnos. Se o Senado aprovar o texto como o recebeu da Câmara,
a emenda é promulgada pelas Mesas da Câmara e do Senado. Se o texto for
alterado, volta para a Câmara, para ser votado novamente. Neste caso, não
cabe veto da Presidência da República, pois se trata de emenda à Constituição. Finalmente,
a redução da maioridade penal, se aprovada, pode ser questionada no Supremo
Tribunal Federal, responsável último pela análise da constitucionalidade das
leis. E não tenho dúvidas de que, caso seja aprovada, essa malfadada emenda
acabe sendo jogada fora pelo STF – a não ser que o Supremo também decida por
rasgar a Constituição de 1988.
Acredito que os fãs da
Raquel estejam exultantes! Mas fica aqui um lembrete para os tais: não há
comprovação de que a redução da maioridade penal contribua para a redução da
criminalidade. Sim, não há, vamos aos números? Dados coletados pela Carta
Capital dão conta de que do total de homicídios cometidos no Brasil nos últimos
20 anos, apenas 3% foram realizados por adolescentes. O número é ainda menor em
2013, quando apenas 0,5% dos homicídios foram causados por menores. Por
outro lado, são os jovens (de 15 a 29 anos) as maiores vítimas da violência. Em
2012, entre os 56 mil homicídios em solo brasileiro, 30 mil eram jovens, em sua
maioria negros e pobres. Tem mais: nos 54 países que reduziram a maioridade
penal não se registrou redução da violência. A Espanha e a Alemanha voltaram
atrás na decisão de criminalizar menores de 18 anos. Hoje, 70% dos países
estabelecem 18 anos como idade penal mínima. Esses dados serão
esmiuçados no próximo artigo.
Por tudo isso, a subprocuradora-geral
da República defende que o remédio para a situação não seja a redução da idade
penal, mas o endurecimento da pena para adultos que corrompem menores – como
o Projeto de Lei 508/2015, do deputado Major Olímpio – e o
investimento em políticas sociais para os jovens. Pelo Brasil afora, entidades
como a Unicef, a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), o Ministério Público
Federal (MPF), a Anced (Associação Nacional dos Centros de Defesa dos Direitos
da Criança e Adolescente), o Ministério da Justiça e a Secretaria de Direitos
Humanos da Presidência da República (SDH) já se manifestaram contrários ao
projeto. E qualquer pessoa que trabalha o tema em seu dia-a-dia irá pensar duas
vezes e tenderá a ser contra o projeto, por saber que apenas vai piorar o que
já está péssimo.
Porém, o PSDB e seus
asseclas conseguiram seu objetivo maior: armaram o circo e o palhaço já está
fazendo suas estripulias; agora, basta um pouco de pão e a maioria dos
brasileiros e brasileiras esquecerão rápido a verdadeira pauta que deveria
estar no centro das atenções do Congresso Nacional: a REFORMA POLÍTICA. Essa,
pelo jeito, vai agora deitar-se na gaveta onde estava a roncar a PEC 171/93.
Que Deus tenha piedade dos pequenos do nosso país – dos pretos e pobres, por
óbvio.
* Fabiana Agra é advogada
e jornalista
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