domingo, 19 de abril de 2015

Os prós e contras acerca da unificação das eleições


Entre os vários temas em debate acerca da tão falada mas ainda pouco conhecida “Reforma Política”, ganham destaques as discussões sobre o “financiamento das campanhas eleitorais e dos partidos políticos”, que tem por objetivo primordial, independentemente do modelo a ser adotado, a diminuição da influência do poder econômico no resultado das eleições; a questão da “reeleição para os cargos eletivos do Poder Executivo” é outro ponto controvertido; mas atualmente é a “unificação das eleições” – na prática, a implantação da coincidência de mandatos nos níveis nacional, estadual, distrital e municipal – que tem chamado grande atenção da mídia e dos legisladores.
As propostas de emenda à Constituição têm em comum a ideia de que as eleições municipais deveriam ser realizadas no mesmo dia – ou em período bastante próximo – das eleições gerais (estaduais e nacional). Pela relevância do tema, trago os argumentos de quem é a favor e contra a unificação das eleições, para uma posterior análise de cunho mais pessoal.

Eleições unificadas: maior economia e governabilidade
Aqueles que defendem a unificação apontam, basicamente, quatro argumentos que sustentariam os benefícios dessa mudança:
1) redução nos custos das eleições, em seu aspecto operacional, pois a organização do pleito ficaria mais barata aos cofres da Justiça Eleitoral;
2) haveria o barateamento das campanhas eleitorais;
3) os partidos políticos seriam fortalecidos com essa medida, uma vez que as campanhas dentro de cada agremiação teriam que obter uma coordenação mais organizada e centralizada e
4) a realização de eleições unificadas a cada quatro ou cinco anos favoreceria a governabilidade, facilitando, sobremaneira, a execução de políticas públicas, em especial nas áreas em que o Brasil tem maior carência, como saúde, saneamento, segurança pública e educação.
Para os defensores da unificação das eleições, o modelo atual, com eleições intercaladas a cada dois anos, prejudicaria as políticas públicas na esfera municipal, já que justo na metade do mandato dos municipais as eleições estaduais e nacional “paralisariam” a máquina pública.
Elga Figueiredo, advogada e especialista em direito do consumidor, comunga com este pensamento, em artigo publicado na internet. Segundo ela, “estima-se que no Brasil cada pleito eleitoral custa aos cofres públicos para sua viabilização em torno de R$ 265 milhões, um dos fatores que, após muita discussão, ensejara na Proposta de Emenda à Constituição de autoria do senador Romero Jucá (PMDB-PR), prevendo unificação das eleições para todos os cargos em nosso país. Para que isso seja possível, os candidatos eleitos em 2016 ou teriam mandato de apenas dois anos ou o período de atuação no cargo se estenderia até 2018, ocasião em que seria possível coincidir os processos eleitorais.
Segundo Figueiredo, “muito ainda se discute se a medida valeria já para 2018 ou para 2022, porém, essa vertente dentro da discussão da reforma política brasileira tem ganhado a cada dia mais repercussão no cenário nacional. De acordo com o autor da proposta, dizer que a eleição coincidente faria com que o pleito fosse somente nacional não é verdade, porque cada candidato a presidente da República teria que ter, em cada Estado, em cada Município, uma candidatura que o apoiasse apresentando políticas públicas que tivessem enfoque nacional, estadual e municipal. Administrativamente para os gestores de todas as esferas seria muito melhor, pois haveria a possibilidade de exercer mandato com um mesmo gestor durante todo o período, sem ocorrer a incerteza de retaliações quando alguém da base não fosse eleito”, completa a advogada, em sua defesa.

Eleições unificadas: uma afronta à democracia
Em recente reportagem do site Congresso em Foco, Joelson Dias – ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral e Marilda Silveira e Daniel Falcão – professores de Direito Eleitoral, apontam sete razões pelas quais a unificação das eleições, em discussão no Congresso, é prejudicial à administração pública, aos mandatários, aos partidos políticos, aos candidatos e aos eleitores:
I – A unificação das eleições comprometerão o direito de participação política e escolha dos eleitores e enfraquecerão as instituições democráticas: por longo período, entre uma eleição e outra, os eleitores não serão ouvidos e, consequentemente, também serão menos debatidas as questões políticas do País. Os cidadãos ficarão ainda mais afastados da política, pois exercerão seu direito fundamental ao voto somente uma vez a cada quatro ou cinco anos e, como resultado disto, também a classe política e as instituições democráticas diminuídas em sua legitimidade. O jovem, cujo voto é facultativo, que completar 16 (dezesseis) anos somente após as eleições, irá às urnas, pela primeira vez, apenas quatro ou cinco anos depois, aos seus 20 (vinte) ou 21 (vinte e um) anos. Restará prejudicado o elemento pedagógico do voto. Com a unificação das eleições, quem mais perde, portanto, são os próprios eleitores.
II – As eleições unificadas comprometerão a administração do pleito pela Justiça Eleitoral e a sua atuação jurisdicional: a mudança acarretará um inegável assoberbamento da Justiça Eleitoral dificultando, ainda mais, o gerenciamento e a fiscalização do processo eleitoral: em, aproximadamente seis meses, os órgãos da Justiça Eleitoral seriam responsáveis por fiscalizar e julgar milhares de prestações de contas, registros de candidaturas e ações de impugnação, investigações judiciais eleitorais, recursos contra expedição de diplomas e impugnações de mandatos eletivos. Tudo isso, sem computar as incontáveis representações ajuizadas contra as propagandas eleitorais em curso. A proposta prevê, na verdade, a realização de 5.570 eleições municipais (prefeitos e vereadores), 26 eleições estaduais (governador, deputados federais, senadores e deputados estaduais), uma eleição distrital e a eleição nacional (presidente da República) numa mesma data ou, em hipótese alternativa, em datas bem próximas. A administração do pleito pela Justiça Eleitoral e a sua atuação jurisdicional restariam seriamente comprometidas diante do gigantismo que representa a unificação das eleições.
III – As eleições unificadas dificultarão e encarecerão a veiculação da propaganda eleitoral: a veiculação da propaganda eleitoral em geral, especialmente a distribuição do seu tempo no rádio e na televisão, será imensamente dificultada diante do elevado número de candidatos em uma eleição unificada. Não apenas pelo tempo e diversidade dos meios de propaganda eleitoral, mas também pela compreensão dos programas partidários e das propostas dos inúmeros candidatos concorrentes ao pleito, especialmente levando-se em conta que, no federalismo brasileiro, cada ente tem competências privativas e concorrentes.
IV – As eleições unificadas não simplificarão o sistema eleitoral, nem facilitarão a sua compreensão pelo eleitor: é inevitável o prejuízo no que toca a capacidade de reflexão sobre as propostas e nomes a serem escolhidos na urna eletrônica. Trata-se do enorme número de candidaturas além da mistura, em si, de temas locais, estaduais e nacionais para definição de oito candidatos diferentes. Com toda essa complexidade, as eleições unificadas violariam um dos propósitos básicos que deve ter toda e qualquer reforma política: a simplificação do sistema eleitoral visando a sua melhor compreensão pelo eleitor.
V – As eleições unificadas resultarão em menosprezo pela sociedade da importância do sistema político e das práticas democráticas: com a coincidência dos mandatos, os candidatos derrotados terão dificuldade muito maior de enfrentar a maioria estabelecida. Isso porque somente terão uma nova oportunidade de candidatarem-se e/ou tornarem-se conhecidos diante do eleitorado após quatro ou cinco anos. E, em caso de nova derrota eleitoral, após tanto tempo, estarão praticamente alijados da vida política. O preço a ser pago pela possibilidade de todos os mandatos iniciando e terminando juntos pode muito bem ser o da verticalização do voto pelo eleitor, de presidente a vereador de um mesmo partido ou coligação, de aniquilamento das minorias e da oposição locais durante o longo tempo de espera entre uma e outra campanha eleitoral. A realização de eleições somente a cada quatro ou cinco anos dispensará os partidos políticos e governantes da necessidade de se submeterem à avaliação política mais periódica da sua atuação (“accountability”) e suprimirá dos eleitores e da oposição o direito de crítica que os debates eleitorais fomentam a cada dois anos.
É preciso avaliar se, de fato, a unificação não dificultará a “oxigenação” das eleições e incrementará o custo das campanhas eleitorais, pois os candidatos que postulam pela primeira vez a sua eleição ou são pouco conhecidos também terão necessidade de mais recursos para obterem reais chances de vitória no escrutínio unificado. Dessa forma, o papel dos candidatos e partidos de oposição, em quaisquer das esferas federativas, restará ainda mais dificultado, fato este que atinge diversos princípios constitucionais, como, por exemplo, o republicano, que assegura a periodicidade das eleições, o pluripartidarismo e a garantia de preservação das minorias.
VI – As eleições unificadas não condicionam nem o fim da reeleição, nem o aventado aumento para 5 (cinco) anos do período de mandato, nem a necessária garantia da governabilidade: nem o pretendido fim da reeleição, nem o aventado aumento para 5 (cinco) anos do período de mandato, nem mesmo a tão propalada necessidade de se garantir a governabilidade estão necessariamente vinculados à unificação das eleições. No tocante à governabilidade, por exemplo, a própria reforma política que se pretende poderá, em sendo mesmo este o caso, promover os ajustes pontuais necessários na lei de responsabilidade fiscal, por exemplo, ou na própria legislação eleitoral, de modo não somente a permitir, mas, inclusive, fomentar, mesmo no ano das eleições, a execução de políticas públicas, em especial nas áreas em que o Brasil mais precisa, como saúde, saneamento, segurança pública e educação. Hoje, a reclamação é que a legislação eleitoral impõe uma série de restrições a alguns atos de governo, como a execução de convênios em anos eleitorais. Contudo, entendemos, é a coincidência dos mandatos que pode resultar em longo tempo de espera pelos Estados e Municípios para o recebimento de transferências voluntárias ou a celebração de novos convênios, até as eleições seguintes, a depender das composições ou disputas políticas entre as respectivas circunscrições eleitorais ou com a União.
VII – As eleições unificadas ao invés de baratear poderão é encarecer as campanhas eleitorais: a unificação das eleições para a coincidência dos mandatos também repercutirá na oferta dos mais diversos bens e serviços durante as eleições, impactando na forma de realização do trabalho, na qualidade e na engenharia de mercado desses serviços e, igualmente, nos custos das campanhas eleitorais em razão do grande número de candidatos e cargos em disputa, bem assim da dedicação dos melhores profissionais às eleições presidenciais e de governadores. Isto é, mesmo que não venha a ser mais necessário buscar financiamento a cada dois anos, com o fim dos pleitos intercalados, como defendem alguns, o gasto com a campanha eleitoral em eleições unificadas pode ser muito maior, especialmente se consideradas as “dobradas” na propaganda eleitoral, ou seja, o apoio político e financeiro entre os candidatos e também entre os partidos. Ademais, se for necessário aumentar o tempo de veiculação da propaganda eleitoral no rádio e na televisão, em razão do elevado número de candidatos, crescerá, também, na mesma proporção, o montante da compensação fiscal devido às emissoras pela cedência do referido “horário gratuito”, e, portanto, o custo das eleições para os próprios contribuintes. Em poucas palavras, ao invés do seu cogitado barateamento, as campanhas eleitorais poderão é sair mais caras com a unificação das eleições.

No terceiro e último artigo sobre a “unificação das eleições, trarei um desfecho sobre o tema, ocasião em que esmiuçarei o que ainda restou nebuloso sobre o assunto, conferindo também a minha opinião acerca da polêmica. Até breve.

* Fabiana Agra é advogada e jornalista.


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