Entre os vários temas em debate acerca da tão
falada mas ainda pouco conhecida “Reforma Política”, ganham destaques as
discussões sobre o “financiamento das campanhas eleitorais e dos partidos
políticos”, que tem por objetivo primordial, independentemente do modelo a ser
adotado, a diminuição da influência do poder econômico no resultado das
eleições; a questão da “reeleição para os cargos eletivos do Poder Executivo” é
outro ponto controvertido; mas atualmente é a “unificação das eleições” – na
prática, a implantação da coincidência de mandatos nos níveis nacional,
estadual, distrital e municipal – que tem chamado grande atenção da mídia e dos
legisladores.
As propostas de emenda à Constituição têm em comum
a ideia de que as eleições municipais deveriam ser realizadas no mesmo dia – ou
em período bastante próximo – das eleições gerais (estaduais e nacional). Pela
relevância do tema, trago os argumentos de quem é a favor e contra a unificação
das eleições, para uma posterior análise de cunho mais pessoal.
Eleições
unificadas: maior economia e governabilidade
Aqueles que defendem a unificação apontam,
basicamente, quatro argumentos que sustentariam os benefícios dessa mudança:
1) redução nos custos das eleições, em seu aspecto
operacional, pois a organização do pleito ficaria mais barata aos cofres da
Justiça Eleitoral;
2) haveria o barateamento das campanhas eleitorais;
3) os partidos políticos seriam fortalecidos com
essa medida, uma vez que as campanhas dentro de cada agremiação teriam que
obter uma coordenação mais organizada e centralizada e
4) a realização de eleições unificadas a cada
quatro ou cinco anos favoreceria a governabilidade, facilitando, sobremaneira,
a execução de políticas públicas, em especial nas áreas em que o Brasil tem
maior carência, como saúde, saneamento, segurança pública e educação.
Para os defensores da unificação das eleições, o
modelo atual, com eleições intercaladas a cada dois anos, prejudicaria as políticas
públicas na esfera municipal, já que justo na metade do mandato dos municipais
as eleições estaduais e nacional “paralisariam” a máquina pública.
Elga
Figueiredo, advogada e especialista em direito do consumidor, comunga com este
pensamento, em artigo publicado na internet. Segundo ela, “estima-se que no Brasil cada pleito eleitoral custa aos
cofres públicos para sua viabilização em torno de R$ 265 milhões, um dos
fatores que, após muita discussão, ensejara na Proposta de Emenda à
Constituição de autoria do senador Romero Jucá (PMDB-PR), prevendo unificação
das eleições para todos os cargos em nosso país. Para que isso seja
possível, os candidatos eleitos em 2016 ou teriam mandato de apenas dois anos
ou o período de atuação no cargo se estenderia até 2018, ocasião em que seria
possível coincidir os processos eleitorais.
Segundo
Figueiredo, “muito ainda se discute se a medida valeria já para 2018 ou para
2022, porém, essa vertente dentro da discussão da reforma política brasileira
tem ganhado a cada dia mais repercussão no cenário nacional. De acordo com
o autor da proposta, dizer que a eleição coincidente faria com que o pleito
fosse somente nacional não é verdade, porque cada candidato a presidente da
República teria que ter, em cada Estado, em cada Município, uma candidatura que
o apoiasse apresentando políticas públicas que tivessem enfoque nacional,
estadual e municipal. Administrativamente para os gestores de todas as esferas
seria muito melhor, pois haveria a possibilidade de exercer mandato com um
mesmo gestor durante todo o período, sem ocorrer a incerteza de retaliações
quando alguém da base não fosse eleito”, completa a advogada, em sua defesa.
Eleições unificadas: uma
afronta à democracia
Em
recente reportagem do site Congresso em Foco, Joelson Dias – ex-ministro do Tribunal Superior
Eleitoral e Marilda Silveira e Daniel Falcão – professores de Direito Eleitoral, apontam sete razões pelas quais a
unificação das eleições, em discussão no Congresso, é prejudicial à
administração pública, aos mandatários, aos partidos políticos, aos candidatos
e aos eleitores:
I – A unificação das
eleições comprometerão o direito de participação política e escolha dos
eleitores e enfraquecerão as instituições democráticas: por longo período, entre uma
eleição e outra, os eleitores não serão ouvidos e, consequentemente, também
serão menos debatidas as questões políticas do País. Os cidadãos ficarão ainda
mais afastados da política, pois exercerão seu direito fundamental ao voto
somente uma vez a cada quatro ou cinco anos e, como resultado disto, também a
classe política e as instituições democráticas diminuídas em sua legitimidade.
O jovem, cujo voto é facultativo, que completar 16 (dezesseis) anos somente
após as eleições, irá às urnas, pela primeira vez, apenas quatro ou cinco anos
depois, aos seus 20 (vinte) ou 21 (vinte e um) anos. Restará prejudicado o
elemento pedagógico do voto. Com a unificação das eleições, quem mais perde,
portanto, são os próprios eleitores.
II – As eleições
unificadas comprometerão a administração do pleito pela Justiça Eleitoral e a
sua atuação jurisdicional: a mudança acarretará um inegável assoberbamento da Justiça Eleitoral
dificultando, ainda mais, o gerenciamento e a fiscalização do processo
eleitoral: em, aproximadamente seis meses, os órgãos da Justiça Eleitoral
seriam responsáveis por fiscalizar e julgar milhares de prestações de contas,
registros de candidaturas e ações de impugnação, investigações judiciais
eleitorais, recursos contra expedição de diplomas e impugnações de mandatos
eletivos. Tudo isso, sem computar as incontáveis representações ajuizadas
contra as propagandas eleitorais em curso. A proposta prevê, na verdade, a
realização de 5.570 eleições municipais (prefeitos e vereadores), 26 eleições
estaduais (governador, deputados federais, senadores e deputados estaduais),
uma eleição distrital e a eleição nacional (presidente da República) numa mesma
data ou, em hipótese alternativa, em datas bem próximas. A administração do
pleito pela Justiça Eleitoral e a sua atuação jurisdicional restariam
seriamente comprometidas diante do gigantismo que representa a unificação das
eleições.
III – As eleições
unificadas dificultarão e encarecerão a veiculação da propaganda eleitoral:
a
veiculação da propaganda eleitoral em geral, especialmente a distribuição do
seu tempo no rádio e na televisão, será imensamente dificultada diante do
elevado número de candidatos em uma eleição unificada. Não apenas pelo tempo e
diversidade dos meios de propaganda eleitoral, mas também pela compreensão dos
programas partidários e das propostas dos inúmeros candidatos concorrentes ao
pleito, especialmente levando-se em conta que, no federalismo brasileiro, cada
ente tem competências privativas e concorrentes.
IV – As eleições
unificadas não simplificarão o sistema eleitoral, nem facilitarão a sua
compreensão pelo eleitor: é inevitável o prejuízo no que toca a capacidade de reflexão sobre as
propostas e nomes a serem escolhidos na urna eletrônica. Trata-se do enorme
número de candidaturas além da mistura, em si, de temas locais, estaduais e
nacionais para definição de oito candidatos diferentes. Com toda essa
complexidade, as eleições unificadas violariam um dos propósitos básicos que
deve ter toda e qualquer reforma política: a simplificação do sistema eleitoral
visando a sua melhor compreensão pelo eleitor.
V – As eleições unificadas
resultarão em menosprezo pela sociedade da importância do sistema político e
das práticas democráticas: com a coincidência dos mandatos, os candidatos derrotados terão
dificuldade muito maior de enfrentar a maioria estabelecida. Isso porque somente
terão uma nova oportunidade de candidatarem-se e/ou tornarem-se conhecidos
diante do eleitorado após quatro ou cinco anos. E, em caso de nova derrota
eleitoral, após tanto tempo, estarão praticamente alijados da vida política. O
preço a ser pago pela possibilidade de todos os mandatos iniciando e terminando
juntos pode muito bem ser o da verticalização do voto pelo eleitor, de
presidente a vereador de um mesmo partido ou coligação, de aniquilamento das
minorias e da oposição locais durante o longo tempo de espera entre uma e outra
campanha eleitoral. A realização de eleições somente a cada quatro ou cinco
anos dispensará os partidos políticos e governantes da necessidade de se
submeterem à avaliação política mais periódica da sua atuação (“accountability”)
e suprimirá dos eleitores e da oposição o direito de crítica que os debates
eleitorais fomentam a cada dois anos.
É preciso avaliar se, de fato, a unificação não
dificultará a “oxigenação” das eleições e incrementará o custo das campanhas
eleitorais, pois os candidatos que postulam pela primeira vez a sua eleição ou
são pouco conhecidos também terão necessidade de mais recursos para obterem
reais chances de vitória no escrutínio unificado. Dessa forma, o papel dos
candidatos e partidos de oposição, em quaisquer das esferas federativas,
restará ainda mais dificultado, fato este que atinge diversos princípios
constitucionais, como, por exemplo, o republicano, que assegura a periodicidade
das eleições, o pluripartidarismo e a garantia de preservação das minorias.
VI – As eleições
unificadas não condicionam nem o fim da reeleição, nem o aventado aumento para
5 (cinco) anos do período de mandato, nem a necessária garantia da
governabilidade: nem o
pretendido fim da reeleição, nem o aventado aumento para 5 (cinco) anos do
período de mandato, nem mesmo a tão propalada necessidade de se garantir a
governabilidade estão necessariamente vinculados à unificação das eleições. No
tocante à governabilidade, por exemplo, a própria reforma política que se
pretende poderá, em sendo mesmo este o caso, promover os ajustes pontuais
necessários na lei de responsabilidade fiscal, por exemplo, ou na própria
legislação eleitoral, de modo não somente a permitir, mas, inclusive, fomentar,
mesmo no ano das eleições, a execução de políticas públicas, em especial nas
áreas em que o Brasil mais precisa, como saúde, saneamento, segurança pública e
educação. Hoje, a reclamação é que a legislação eleitoral impõe uma série de
restrições a alguns atos de governo, como a execução de convênios em anos
eleitorais. Contudo, entendemos, é a coincidência dos mandatos que pode
resultar em longo tempo de espera pelos Estados e Municípios para o recebimento
de transferências voluntárias ou a celebração de novos convênios, até as
eleições seguintes, a depender das composições ou disputas políticas entre as
respectivas circunscrições eleitorais ou com a União.
VII – As eleições
unificadas ao invés de baratear poderão é encarecer as campanhas eleitorais:
a
unificação das eleições para a coincidência dos mandatos também repercutirá na
oferta dos mais diversos bens e serviços durante as eleições, impactando na
forma de realização do trabalho, na qualidade e na engenharia de mercado desses
serviços e, igualmente, nos custos das campanhas eleitorais em razão do grande
número de candidatos e cargos em disputa, bem assim da dedicação dos melhores
profissionais às eleições presidenciais e de governadores. Isto é, mesmo que
não venha a ser mais necessário buscar financiamento a cada dois anos, com o
fim dos pleitos intercalados, como defendem alguns, o gasto com a campanha
eleitoral em eleições unificadas pode ser muito maior, especialmente se
consideradas as “dobradas” na propaganda eleitoral, ou seja, o apoio político e
financeiro entre os candidatos e também entre os partidos. Ademais, se for
necessário aumentar o tempo de veiculação da propaganda eleitoral no rádio e na
televisão, em razão do elevado número de candidatos, crescerá, também, na mesma
proporção, o montante da compensação fiscal devido às emissoras pela cedência
do referido “horário gratuito”, e, portanto, o custo das eleições para os
próprios contribuintes. Em poucas palavras, ao invés do seu cogitado
barateamento, as campanhas eleitorais poderão é sair mais caras com a
unificação das eleições.
No
terceiro e último artigo sobre a “unificação das eleições, trarei um desfecho
sobre o tema, ocasião em que esmiuçarei o que ainda restou nebuloso sobre o
assunto, conferindo também a minha opinião acerca da polêmica. Até breve.
*
Fabiana Agra é advogada e jornalista.
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