quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Carta aberta aos professores universitários brasileiros



Por Fabiana Agra*
     Se já não bastassem os comentários preconceituosos e de teor fascista da jornalista Raquel Sheherazade, eis que na mesma semana foi a vez dos integrantes das redes sociais serem brindados com uma postagem que faria corar os grandes educadores que balizaram o ensino mundo afora. E dessa feita, o bullying não partiu dos alunos, mas de uma casta de professores que certamente mastigam rapadura pensando ser caviar – tais professores, de várias instituições de ensino superior do Rio, se envolveram numa polêmica que alcançou o resto do Brasil, ao tecerem comentários carregados de ironia e preconceito, acerca de um rapaz que estava muito à vontade, sentado em um aeroporto.
     Tudo começou com a postagem de Rosa Marina de Brito Meyer, professora de Letras na PUC-Rio, onde a fotografia do rapaz vem acompanhada do seguinte texto: “Aeroporto ou rodoviária?”. Em meio a vários comentários de seus colegas, um deles se sobressai por vir de quem veio: o reitor da Unirio e doutor em Matemática, Luiz Pedro Jutuca – sim, o reitor – escreveu que “o ‘glamour’ foi para o espaço”, e foi respondido pela própria docente da PUC-Rio: “Puxa, mas para o glamour falta muuuito! Isso está mais para estiva.” Logo abaixo, mais uma pérola, dessa feita, proferida pela coordenadora de graduação e professora da PUC-Rio, Daniela Vargas: “hehe. E sabe o que é pior? quando esse tipo de passageiro senta exatamente ao seu lado e fica roçando o braço peludo no seu, porque – claro – não respeita (ou não cabe) nos limites de seu assento”.
     A postagem teria passado desapercebida dos demais mortais que freqüentam o Facebook, não fosse ter caído na página “Dilma Bolada” – a partir de então, todos nós tivemos o desprazer, o desconforto e a desesperança de constatar a que ponto pode chegar essa turma “classe B que pensa ser A, enquanto a classe A vê-los na classe C”. Após a repercussão da postagem nas redes sociais, todos os envolvidos estão tratando de se desculparem e eu fico me perguntando: um pedido de deculpas bastará? Eu digo isso porque a tal postagem apenas aflorou devido a um problema que sempre esteve adormecido em nosso país, mas que agora começar a pipocar em todos os lugares devido ao fato da diarista agora poder comprar um automóvel, do porteiro poder viajar de avião; ainda que de forma tímida, o abismo social está diminuindo e parece que a turma um pouco mais endinheirada não está gostando de dividir o mesmo espaço com aqueles que ocupam empregos menos valorizados – cultural ou financeiramente falando.
     Mas ao observar a postagem, também se percebe que o ranço desses professores vai além da “falta de glamour”, passando também pela aparência física daquele que foi fotografado sem pedir: um homem gordo, vestindo camiseta – é como se os professores quisessem dizer: “poxa, além da falta de ‘glamour’, ainda por cima é gordo? Este é o mundo em que vivemos, eu sei, mas o que me chocou a ponto de escrever esse manifesto, foi de onde os comentários partiram – de professores, da classe que, por ter estudado mais do que a maioria, deveria estar comprometida em ajudar a quebrar as barreiras e obstáculos absurdos que separam as pessoas.
     O sentido principal que precisamos dar à nossa existência é o de lutar por um mundo melhor e para que haja um mundo onde nossos descendentes possam viver mais dignamente; e o fato de, hoje em dia, podermos viajar todos “juntos & misturados” na classe econômica de um avião, denota que, pelo menos, alguma coisa está mudando no Brasil; que pelo menos, as classes C e D podem viajar com um pouco mais de conforto e rapidez. Mas ainda falta um “muro de Berlim” de desigualdades a ser derrubado e essa muralha permanece praticamente incólume aos esforços que já foram demandados. É preciso que se faça muito mais e não é com esse tipo de ajuda vinda de professores universitários (sic) que avançaremos no campo social.
     A absurda postagem faz transparecer um Brasil onde, nas palavras de Matheus Pichonelli, “o sujeito tem motivos para comemorar quando entra em uma faculdade no Brasil porque, com um diploma debaixo do braço, passará automaticamente a pertencer a uma casta superior”. É esse sentimento que grande parte daqueles que tiveram dinheiro ou oportunidade para fazer um curso superior se sente. Mas não deveriam! O diploma de um curso superior, desacompanhado do sentimento de servir à sociedade, não passa de um quadro pendurado na parede – não passa de uma reprodução, barata, de um pintor famoso.
     Lutemos por um mundo onde andar de avião seja a coisa mais banal para todos os trabalhadores brasileiros; lutemos por um Brasil onde o transporte público de qualidade não precise nos obrigar a comprar um carro e usa-lo como objeto de ostentação. Enfim, lutemos por um ensino onde os professores sejam agentes da mudança e não reprodutores dos preconceitos de classe!

* Fabiana Agra é advogada e jornalista.

Clique aqui para conferir na fonte: 
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