sábado, 15 de fevereiro de 2014


A “GERAÇÃO 150 REAIS” E AS IMPLICAÇÕES
DA LEI ANTITERRORISMO

por Fabiana Agra *


Os Black Blocs Brasil
Em junho de 2013, as manifestações de rua traziam o principal slogan “Não são só vinte centavos” – que era valor do reajuste das passagens de ônibus contra o qual começaram os protestos —, mas agora, ao que parece, os manifestantes que sobraram depois da violência, dos atos criminosos e do esvaziamento dos protestos, cobram um preço por uma noite de baderna: atualmente os tais “Black Blocs” recebem 150 reais por cada ato, segundo o  advogado Jonas Tadeu Nunes, que defende Caio e Fábio – os dois jovens acusados de terem acendido o rojão que, no dia 06 de fevereiro, atingiu o cinegrafista da Band, Santiago Andrade.
Logo após junho do ano passado, quando as primeiras imagens de violência danificaram as manifestações populares, os Black Blocs passaram a ser a manchete principal na mídia e nas ruas, eles sempre esperavam o momento anterior ao início das dispersões para promoverem a violência. Já as primeiras ações de repressão policial contra o grupo provocaram solidariedade de gente famosa: Caetano Veloso chegou mesmo a usar a máscara preta do movimento. Mas, afinal, quem são as pessoas que se escondem por trás das máscaras pretas?
O termo “black bloc” (do inglês black, negro; bloc, agrupamento de pessoas para uma ação conjunta ou propósito comum [Wikipedia]) é o nome dado a uma tática para protestos e manifestações de rua, onde os participantes se utilizam de roupa preta, máscaras, capacetes, e outros itens que escondem o rosto. Essa indumentária tem a finalidade de proteger tanto sua integridade física quanto identidade, visando o anonimato. Os participantes de um black bloc são frequentemente associados ao anarquismo. A estratégia começou nos anos 1980 durante os protestos do movimento Europeu autonomista contra a evacuação de prédios invadidos, energia nuclear e medidas contra o aborto, entre outros motivos. Os black blocs ganharam a atenção da mídia fora da Europa durante as manifestações contra o encontro da OMC em Seattle, em 1999, quando participantes destruíram fachadas de lojas e escritórios do McDonalds, da Starbucks, da Fidelity Investiments e outras instalações de grandes empresas.
No Brasil, os Black Blocs não seguem a cartilha dos grupos espalhados pela Europa e Estados Unidos, pois por aqui eles destroem Fusca e paradas de ônibus, que são símbolos não do grande capital, mas da massa de trabalhadores das classes C e D. E a violência praticada pelos brasileiros parece também não conhecer limites nem respeitar quem ouse ficar, mesmo sem querer, em frente da linha de tiro de suas bombas. Até agora, parecer ser um grupo sem identidade, afora a revolta e o pagamento por uma noite de baderna.

Quem financia o Black Bloc Brasil?
Uma planilha obtida pelo site da VEJA revela, pela primeira vez, nomes de políticos e autoridades do Rio de Janeiro que doaram dinheiro ao grupo Black Bloc: a lista cita dois vereadores do PSOL, um delegado de polícia e um juiz. Neste documento, aparecem os nomes dos vereadores Jefferson Moura (PSOL) e Renato Cinco (PSOL), apontados como doadores de 400 reais e 300 reais, respectivamente. O juiz João Damasceno aparece como doador de 100 reais, e o delegado Orlando Zaccone, de 200 reais. No entanto, é preciso que se esclareça que, em um primeiro momento, o repasse de dinheiro por políticos e autoridades não configura ilegalidade. No presente caso, o crime não está em aliciar ou pagar alguém para fazer manifestação; o crime é se isso acontecer no caso de os manifestantes serem pagos para praticar atos violentos.
Segundo o site de notícias políticas 247 Brasil, acumulam-se indícios e testemunhos de que o PSOL era o grande gerenciador dos Black Blocs em seus ataques a edifícios públicos, depredação de pontos comerciais e fechamento de grandes vias de tráfego no Rio de Janeiro. O deputado Marcelo Freixo, principal líder do partido no Rio – onde obteve 20% dos votos na última eleição para prefeito – inclusive foi citado pelo preso Caio Silva de Souza como espécie de mentor intelectual dos terroristas sociais. E, apesar do PSOL não possuir uma relação direta com a violência praticada pelos black blocs, os integrantes do partido nunca fizeram questão de confrontá-los. Pelo contrário, muitos dos seus dirigentes enxergavam “certo glamour revolucionário na revolta dos jovens mascarados”.
Em entrevista ao GLOBO, o sociólogo Gláucio Soares diz ser plausível a denúncia de que jovens estariam sendo aliciados para provocar tumultos. Ele não descarta a participação de organizações políticas, nem de grupos ligados ao tráfico de drogas. Segundo Gláucio, há interesses dos dois lados: “Não creio que, na ética de alguns movimentos políticos, pagar para gerar violência esteja além das concessões que possam fazer. Por outro lado, organizações do tráfico também estão interessadas em retirar os PMs das favelas. Há muitos interesses em jogo”.
No entanto, pelo o que a imprensa andou apurando nos últimos dias, parece que o elo de todos esses jovens que estão sendo aliciados responde pelo singelo apelido de “Sininho”, que remete à fadinha que acompanha o Peter Pan da estória. Só que de fada Elisa Quadros, verdadeiro nome da ativista, não tem nada; na verdade, ela é uma radical carioca que tem praticado verdadeiro terrorismo social, travestido de protesto e manifestação violentas "contra tudo que está aí". Na verdade, ela é, segundo Caio Silva de Souza, acusado de matar o cinegrafista Santiago Andrade, quem "manipula a forma como a manifestação vai acontecer". E é também quem gerencia o dinheiro que custeia o movimento e quem paga os manifestantes. No Facebook, Sininho mostra disposição quase infinita para o que ela chama de "revolução" e avisa que não vão conseguir tirá-la das ruas. "Não tô aqui para fazer bonito pra ninguém. Em relação aos políticos, que se fodam. Como vocês também, vou detonar as eleições esse ano", afirma.

A lei antiterrorismo que está para ser votada

Duas propostas de lei estão em discussão e já preocupam os juristas: trata-se do Projeto de Lei Antiterrorismo, gestado no Senado Federal e que conta com a assinatura do senador Romero Jucá (PMDB/RR), e da proposta de Projeto de Lei sobre crime de desordem, apresentada pelo secretário de Segurança do Estado do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame, ao Senado. Caso sejam aprovados, esses projetos podem vir a transformar uma tragédia pessoal em tragédia nacional; corre-se o risco, de fato, de jogarmos fora as conquistas que o brasileiro conseguiu a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988.
O assassinato do cinegrafista Santiago Andrade foi o pretexto para o Senado voltar a examinar o Projeto de Lei 499/2013, que tipifica o crime de terrorismo no Brasil e cuja aprovação poderá trazer mais autoritarismo das forças de segurança, além de perseguição política. Em um artigo escrito para a Carta Capital, José Antonio Lima explica o momento: “propor novas leis, assim, é quase que um reflexo instintivo em um país incapaz de garantir a segurança de seus cidadãos. A nova legislação é encarada como uma panacéia, mesmo diante do fato de muitas leis não serem cumpridas. Ao tentarem responder a quem, diante de uma tragédia, afirma que ‘alguém precisa fazer alguma coisa’, os senadores deixam escapar o óbvio: a atitude mais efetiva seria simplesmente cumprir as leis já existentes”.
Rosana Pinheiro-Machado, cientista social, antropóloga e professora de Antropologia do Desenvolvimento da Universidade de Oxford, vai mais longe quando afirma: “a lei antiterrorismo não emerge do vácuo histórico, mas do medo da perda do controle da tão desejada e necessária ordem que, em nome ‘dos cidadãos de bem’, apenas visa manter as estruturas políticas, econômicas, comunicacionais e religiosas dominantes. (...) Não vai ter espetáculo. Arma-se, ao contrário, um grande circo que aponta para o fracasso das estruturas democráticas brasileiras, em que o governo se vale das mesmas armas sórdidas das quais foi vítima no passado”. Pelo jeito, o que está por trás da lei antiterrorismo é uma caça às bruxas em nome das “pessoas de bem” – como se fosse tão simples assim, dividir a sociedade em “pessoas boas e pessoas más”...
Em uma matéria publicada pela Agência Brasil, o professor de direito constitucional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Leonardo Vizeu, diz que o país não precisa criar uma lei reunindo as demais, mas aplicar as existentes. “Já temos o crime de dano, de formação de quadrilha, de lesão corporal e apologia ao crime. Não precisamos de uma lei de forma casuística”. O professor de direito constitucional da Fundação Getulio Vargas (FGV), Thiago Bottino, também é categórico ao afirmar que a proposta limita o direito de as pessoas se reunirem para se manifestar e se expressar, em diversas circunstâncias, até mesmo no carnaval, devido aos blocos de sátira e ao uso de máscaras. Além disso, para ele, o projeto abre brechas legais para a atuação arbitrária das polícias. “A [proposta de] lei não ajuda a polícia a separar o joio do trigo. Por não esclarecer exatamente o que é desordem em local público e por estipular penas maiores que para crimes contra a vida como homicídio culposo”. O professor da FGV também vê a proposta do governo do Rio como inconstitucional: “Vão pegar o cara que está no alto-falante, chamando as pessoas para rua, e dizer que é desordem? Isso é crime de três a oito anos [de prisão]? São penas desproporcionais em relação à de quem mata”, afirmou.
Já o presidente do PT, Rui Falcão, afirmou nota oficial destinada à imprensa, que o partido acompanha "com atenção" os debates no Congresso sobre a criação de uma legislação antiterror e alertou sobre os riscos ao processo democrático a criação de uma lei vaga sobre o tema. "Uma lei vaga nessa caracterização penal atenta contra os direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição e poderia servir à criminalização de movimentos sociais, o que seria um inaceitável retrocesso democrático, o PT não pode aceitar qualquer texto legal que não tipifique - com clareza, objetividade e precisão - crimes eventualmente ocorridos no contexto dessas manifestações”.

O que podemos ainda esperar da “Geração 150 reais”
Após a morte de Santiago Andrade e das conseqüentes prisões dos acusados de terem provocado o episódio, especialistas apontam que o grupo Black Bloc perderá força e ficará isolado nos próximos protestos. Em uma reportagem produzida pelo site Último Segundo, professores da Fundação Getúlio Vargas e da Universidade Federal de São Paulo dizem que a mudança abriria espaço para novas manifestações pacíficas, como as que tomaram as ruas do País em junho do ano passado. Para Rafael Alcadipani, professor da FGV, “a população, pelo que vemos na grande mídia, está claramente cansada deles. A questão do cinegrafista acaba deixando isso mais claro. As pesquisas já mostravam isso. Mas isso pode ser uma faca de dois gumes. Pode diminuir presença de black blocs e dar força a manifestações pacíficas. Os problemas levantados nas manifestações de junho ainda existem. Nada foi resolvido. E ainda há tensão social. Então tem potencial para uma explosão popular”. Já Esther Solano, professora de relações internacionais da Unifesp, concorda que os adeptos da tática podem acabar ficando isolados das manifestações depois do episódio que acabou com a morte do cinegrafista, mas diverge em relação à diminuição do número de ativistas da organização: “De alguma forma, a sociedade se expressa de forma mais contrária (aos black blocs). Imagino que talvez eles fiquem mais isolados. Mas no Facebook, pelos comentários nas páginas deles, o clima é de continuar. Eles têm a Copa do Mundo como motivação. Vai dar para monitorar isso no (protesto) do dia 22 (de fevereiro)”.
No entanto, vale lembrar que todas as manifestações sociais no Brasil estarão ameaçadas de morte, caso a Lei Antiterrorismo seja aprovada no Congresso Nacional. Atualmente, a Constituição Federal apenas repudia expressamente a prática do terrorismo, além de considerar o ato inafiançável e insuscetível de graça ou anistia. Entretanto, não tipifica as ações e nem estabelece penas. Porém, caso a Lei Antiterrorismo seja aprovada, será utilizada pelos setores conservadores contra manifestações legítimas dos diversos movimentos sociais; um exemplo prático: se uma pessoa no meio de uma manifestação ou de uma passeata jogar uma pedra ou depredar um órgão público, os movimentos e as lideranças vão ser incriminados como terroristas.
O temor dos parlamentares é que se repita, nos próximos eventos esportivos, o cenário visto no ano passado durante a Copa das Confederações, quando diversos protestos ocorreram no entorno dos estádios. Porém, do jeito que as propostas de lei foram redigidas, servirão muito mais como um “guarda-chuva” para legitimar o monitoramento e até a proibição de manifestações consideradas “terroristas”. Mas a lei antiterrorismo será um grande erro, será mais um casuísmo, pois não houve no Brasil atos de terrorismo como os que acontecem nos EUA e na Europa; além disso, as leis que já estão em vigor no país já prevêem punições para os delitos citados nas propostas que tipificam o terrorismo, basta aplicar a lei já existente.
Assim, uma lei antiterrorismo pode fazer com que aumentem as possibilidades de atuação arbitrária por parte da polícia ou mesmo do Ministério Público, que terão um respaldo legal para tentar coibir todo tipo de protesto, sem contar que servirá muito mais para criminalizar os movimentos sociais do para combater um terrorismo que a proposta não consegue tipificar adequadamente. Nós, cidadãos brasileiros, precisamos lutar para que um projeto de lei tão danoso à democracia seja aprovada e esperar que as próximas manifestações aconteçam sem máscaras e sem violência. Estou na torcida.

* Fabiana Agra é advogada e jornalista


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