A “GERAÇÃO 150 REAIS” E AS IMPLICAÇÕES
DA LEI ANTITERRORISMO
por Fabiana Agra *
Os Black
Blocs Brasil
Em junho de 2013, as manifestações de rua traziam o
principal slogan “Não são só vinte centavos” – que era valor do reajuste das
passagens de ônibus contra o qual começaram os protestos —, mas agora, ao que
parece, os manifestantes que sobraram depois da violência, dos atos criminosos
e do esvaziamento dos protestos, cobram um preço por uma noite de baderna: atualmente
os tais “Black Blocs” recebem 150 reais por cada ato, segundo o advogado Jonas Tadeu Nunes, que defende Caio e
Fábio – os dois jovens acusados de terem acendido o rojão que, no dia 06 de
fevereiro, atingiu o cinegrafista da Band, Santiago Andrade.
Logo após junho do ano passado, quando
as primeiras imagens de violência danificaram as manifestações populares, os
Black Blocs passaram a ser a manchete principal na mídia e nas ruas, eles
sempre esperavam o momento anterior ao início das dispersões para promoverem a
violência. Já as primeiras ações de repressão policial contra o grupo provocaram
solidariedade de gente famosa: Caetano Veloso chegou mesmo a usar a máscara
preta do movimento. Mas, afinal, quem são as pessoas que se escondem por trás
das máscaras pretas?
O termo “black bloc” (do inglês black, negro; bloc, agrupamento de pessoas para uma ação conjunta ou
propósito comum [Wikipedia]) é o nome dado a uma tática para protestos e manifestações de rua,
onde os participantes se utilizam de roupa preta, máscaras, capacetes, e outros
itens que escondem o rosto. Essa indumentária tem a finalidade de proteger
tanto sua integridade física quanto identidade, visando o anonimato. Os participantes
de um black bloc são frequentemente associados ao anarquismo. A estratégia
começou nos anos 1980 durante os protestos do movimento Europeu autonomista contra a evacuação de prédios
invadidos, energia nuclear e medidas contra o aborto, entre outros motivos. Os
black blocs ganharam a atenção da mídia fora da Europa durante as manifestações
contra o encontro da OMC em Seattle, em 1999, quando participantes destruíram
fachadas de lojas e escritórios do McDonalds, da Starbucks, da Fidelity Investiments e outras instalações de grandes
empresas.
No
Brasil, os Black Blocs não seguem a cartilha dos grupos espalhados pela Europa
e Estados Unidos, pois por aqui eles destroem Fusca e paradas de ônibus, que são
símbolos não do grande capital, mas da massa de trabalhadores das classes C e
D. E a violência praticada pelos brasileiros parece também não conhecer limites
nem respeitar quem ouse ficar, mesmo sem querer, em frente da linha de tiro de
suas bombas. Até agora, parecer ser um grupo sem identidade, afora a revolta e
o pagamento por uma noite de baderna.
Quem
financia o Black Bloc Brasil?
Uma planilha obtida pelo site da VEJA
revela, pela primeira vez, nomes de políticos e autoridades do Rio de Janeiro
que doaram dinheiro ao grupo Black Bloc: a lista cita dois vereadores do PSOL,
um delegado de polícia e um juiz. Neste documento, aparecem os nomes dos
vereadores Jefferson Moura (PSOL) e Renato Cinco (PSOL), apontados como
doadores de 400 reais e 300 reais, respectivamente. O juiz João Damasceno
aparece como doador de 100 reais, e o delegado Orlando Zaccone,
de 200 reais. No entanto, é preciso que se esclareça que, em um primeiro
momento, o repasse de dinheiro por políticos e autoridades não configura
ilegalidade. No presente caso, o crime não está em aliciar ou pagar alguém para
fazer manifestação; o crime é se isso acontecer no caso de os manifestantes
serem pagos para praticar atos violentos.
Segundo o site de notícias políticas
247 Brasil, acumulam-se
indícios e testemunhos de que o PSOL era o grande gerenciador dos Black Blocs
em seus ataques a edifícios públicos, depredação de pontos comerciais e
fechamento de grandes vias de tráfego no Rio de Janeiro. O deputado Marcelo
Freixo, principal líder do partido no Rio – onde obteve 20% dos votos na última
eleição para prefeito – inclusive foi citado pelo preso Caio Silva de Souza
como espécie de mentor intelectual dos terroristas sociais. E, apesar do PSOL não possuir uma relação direta com a
violência praticada pelos black blocs, os integrantes do partido nunca fizeram
questão de confrontá-los. Pelo contrário, muitos dos seus dirigentes enxergavam
“certo glamour revolucionário na revolta dos jovens mascarados”.
Em entrevista ao GLOBO, o sociólogo Gláucio Soares
diz ser plausível a denúncia de que jovens estariam sendo aliciados para
provocar tumultos. Ele não descarta a participação de organizações políticas, nem
de grupos ligados ao tráfico de drogas. Segundo Gláucio, há interesses dos dois
lados: “Não creio que, na ética de alguns
movimentos políticos, pagar para gerar violência esteja além das concessões que
possam fazer. Por outro lado, organizações do tráfico também estão interessadas
em retirar os PMs das favelas. Há muitos interesses em jogo”.
No entanto, pelo o que a
imprensa andou apurando nos últimos dias, parece que o elo de todos esses
jovens que estão sendo aliciados responde pelo singelo apelido de “Sininho”, que remete à fadinha que acompanha o
Peter Pan da estória. Só que de fada Elisa Quadros, verdadeiro nome da
ativista, não tem nada; na verdade, ela é uma radical carioca que tem praticado
verdadeiro terrorismo social, travestido de protesto e manifestação violentas
"contra tudo que está aí". Na verdade, ela é, segundo Caio Silva de Souza, acusado de matar o cinegrafista Santiago Andrade, quem "manipula a forma como a
manifestação vai acontecer". E é também quem gerencia o dinheiro que
custeia o movimento e quem paga os manifestantes. No Facebook, Sininho mostra
disposição quase infinita para o que ela chama de "revolução" e avisa
que não vão conseguir tirá-la das ruas. "Não
tô aqui para fazer bonito pra ninguém. Em relação aos políticos, que se fodam.
Como vocês também, vou detonar as eleições esse ano", afirma.
A lei antiterrorismo que está para ser votada
Duas propostas de lei estão em
discussão e já preocupam os juristas: trata-se do Projeto de Lei Antiterrorismo,
gestado no Senado Federal e que conta com a assinatura do senador Romero Jucá
(PMDB/RR), e da proposta de Projeto de Lei sobre crime de desordem, apresentada
pelo secretário de Segurança do Estado do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame,
ao Senado. Caso sejam aprovados, esses projetos podem vir a transformar uma
tragédia pessoal em tragédia nacional; corre-se o risco, de fato, de jogarmos
fora as conquistas que o brasileiro conseguiu a partir da promulgação da
Constituição Federal de 1988.
O assassinato do cinegrafista Santiago
Andrade foi o pretexto para o Senado voltar a examinar o Projeto de Lei
499/2013, que tipifica o crime de terrorismo no Brasil e cuja aprovação poderá
trazer mais autoritarismo das forças de segurança, além de perseguição
política. Em um artigo escrito para a Carta Capital, José Antonio Lima explica
o momento: “propor novas leis, assim, é
quase que um reflexo instintivo em um país incapaz de garantir a segurança de
seus cidadãos. A nova legislação é encarada como uma panacéia, mesmo diante do
fato de muitas leis não serem cumpridas. Ao tentarem responder a quem, diante
de uma tragédia, afirma que ‘alguém precisa fazer alguma coisa’, os senadores
deixam escapar o óbvio: a atitude mais efetiva seria simplesmente cumprir as
leis já existentes”.
Rosana
Pinheiro-Machado, cientista social, antropóloga e professora de Antropologia do
Desenvolvimento da Universidade de Oxford, vai mais longe quando afirma: “a
lei antiterrorismo não emerge do vácuo histórico, mas do medo da perda do
controle da tão desejada e necessária ordem que, em nome ‘dos cidadãos de bem’,
apenas visa manter as estruturas políticas, econômicas, comunicacionais e
religiosas dominantes. (...) Não vai ter espetáculo. Arma-se, ao contrário, um
grande circo que aponta para o fracasso das estruturas democráticas
brasileiras, em que o governo se vale das mesmas armas sórdidas das quais foi
vítima no passado”.
Pelo jeito, o que está por trás da lei antiterrorismo é uma caça às bruxas em
nome das “pessoas de bem” – como se fosse tão simples assim, dividir a
sociedade em “pessoas boas e pessoas más”...
Em uma matéria publicada pela Agência
Brasil, o professor de direito constitucional da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ), Leonardo Vizeu, diz que o país não precisa criar uma lei
reunindo as demais, mas aplicar as existentes. “Já temos o crime de dano, de formação de quadrilha, de lesão corporal
e apologia ao crime. Não precisamos de uma lei de forma casuística”. O
professor de direito constitucional da Fundação Getulio Vargas (FGV), Thiago
Bottino, também é categórico ao afirmar que a proposta limita o direito de as
pessoas se reunirem para se manifestar e se expressar, em diversas
circunstâncias, até mesmo no carnaval, devido aos blocos de sátira e ao uso de
máscaras. Além disso, para ele, o projeto abre brechas legais para a atuação
arbitrária das polícias. “A [proposta de]
lei não ajuda a polícia a separar o joio do trigo. Por não esclarecer
exatamente o que é desordem em local público e por estipular penas maiores que
para crimes contra a vida como homicídio culposo”. O professor da FGV
também vê a proposta do governo do Rio como inconstitucional: “Vão pegar o cara que está no alto-falante,
chamando as pessoas para rua, e dizer que é desordem? Isso é crime de três a
oito anos [de prisão]? São penas desproporcionais em relação à de quem mata”,
afirmou.
Já o presidente do
PT, Rui Falcão, afirmou nota oficial destinada à imprensa, que o partido
acompanha "com atenção" os debates no Congresso sobre a criação de
uma legislação antiterror e alertou sobre os riscos ao processo democrático a
criação de uma lei vaga sobre o tema. "Uma
lei vaga nessa caracterização penal atenta contra os direitos e garantias
fundamentais previstos na Constituição e poderia servir à criminalização de
movimentos sociais, o que seria um inaceitável retrocesso democrático, o PT não
pode aceitar qualquer texto legal que não tipifique - com clareza, objetividade
e precisão - crimes eventualmente ocorridos no contexto dessas manifestações”.
O que
podemos ainda esperar da “Geração 150 reais”
Após a morte de Santiago Andrade e das
conseqüentes prisões dos acusados de terem provocado o episódio, especialistas
apontam que o grupo Black Bloc perderá força e ficará isolado nos próximos
protestos. Em uma reportagem produzida pelo site Último Segundo, professores da
Fundação Getúlio Vargas e da Universidade Federal de São Paulo dizem que a
mudança abriria espaço para novas manifestações pacíficas, como as que
tomaram as ruas do País em junho do ano passado. Para Rafael Alcadipani,
professor da FGV, “a população, pelo que
vemos na grande mídia, está claramente cansada deles. A questão do cinegrafista
acaba deixando isso mais claro. As pesquisas já mostravam isso. Mas isso pode
ser uma faca de dois gumes. Pode diminuir presença de black blocs e dar força a
manifestações pacíficas. Os problemas levantados nas manifestações de junho ainda
existem. Nada foi resolvido. E ainda há tensão social. Então tem potencial para
uma explosão popular”. Já Esther Solano, professora de relações
internacionais da Unifesp, concorda que os adeptos da tática podem acabar
ficando isolados das manifestações depois do episódio que acabou com a morte do
cinegrafista, mas diverge em relação à diminuição do número de ativistas da
organização: “De alguma forma, a
sociedade se expressa de forma mais contrária (aos black blocs). Imagino que
talvez eles fiquem mais isolados. Mas no Facebook, pelos comentários nas
páginas deles, o clima é de continuar. Eles têm a Copa do Mundo como motivação.
Vai dar para monitorar isso no (protesto) do dia 22 (de fevereiro)”.
No entanto,
vale lembrar que todas as manifestações sociais no Brasil estarão ameaçadas de
morte, caso a Lei Antiterrorismo seja aprovada no Congresso Nacional. Atualmente,
a Constituição Federal apenas repudia expressamente a prática do terrorismo,
além de considerar o ato inafiançável e insuscetível de graça ou anistia.
Entretanto, não tipifica as ações e nem estabelece penas. Porém, caso a Lei
Antiterrorismo seja aprovada, será utilizada pelos setores conservadores contra
manifestações legítimas dos diversos movimentos sociais; um exemplo prático: se
uma pessoa no meio de uma manifestação ou de uma passeata jogar uma pedra ou
depredar um órgão público, os movimentos e as lideranças vão ser incriminados
como terroristas.
O temor dos
parlamentares é que se repita, nos próximos eventos esportivos, o cenário visto
no ano passado durante a Copa das Confederações, quando diversos protestos
ocorreram no entorno dos estádios. Porém, do jeito que as propostas de lei
foram redigidas, servirão muito mais como um “guarda-chuva” para legitimar o
monitoramento e até a proibição de manifestações consideradas
“terroristas”. Mas a lei antiterrorismo será um grande erro, será mais um
casuísmo, pois não houve no Brasil atos de terrorismo como os que acontecem nos
EUA e na Europa; além disso, as leis que já estão em vigor no país já prevêem
punições para os delitos citados nas propostas que tipificam o terrorismo,
basta aplicar a lei já existente.
Assim,
uma lei antiterrorismo pode fazer com que aumentem as possibilidades de atuação
arbitrária por parte da polícia ou mesmo do Ministério Público, que terão um
respaldo legal para tentar coibir todo tipo de protesto, sem contar que servirá
muito mais para criminalizar os movimentos sociais do para combater um
terrorismo que a proposta não consegue tipificar adequadamente. Nós, cidadãos
brasileiros, precisamos lutar para que um projeto de lei tão danoso à
democracia seja aprovada e esperar que as próximas manifestações aconteçam sem
máscaras e sem violência. Estou na torcida.
*
Fabiana Agra é advogada e jornalista
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