Nos últimos dois dias, dezenas de amigos virtuais me perguntaram acerca
da possibilidade de Dilma “sofrer um impeachment”. Enquanto operadora do
direito tenho minha opinião mais que formada sobre o assunto, abalizada a
partir das análises dos mais conceituados juristas brasileiros, de cientistas
políticos e de vários brasilianistas. Assim, contribuo para este debate que
está apenas começando.
E começo respondendo à pergunta que umas quatro pessoas me enviaram:
sim, há chance do impeachment prosperar e Dilma cair – mas tal hipótese soa
improvável, nas atuais circunstâncias significará golpe, como explicarei a
seguir. Obviamente, a chance de ocorrer se aproxima, pois o
processo foi aberto; mas o que definirá o impeachment não serão possíveis conchavos
entre os deputados, mas a pressão das ruas e da imprensa – essas duas forças
sim, farão toda a diferença nos próximos dias e meses.
O cientista político Thiago de Aragão, da Arko
Advice, dizia, semanas atrás, que o Brasil havia chegado a um ponto onde “a
certeza do disparate supera a expectativa da normalidade”. Mas digo mais: a
partir de agora, talvez a anormalidade é quem dê o tom! Aragão, em entrevista
ao El País, confirma isso, já que a
política brasileira se volta para um grande tópico em um momento em que temos
vários grandes assuntos para resolver. “Muita agenda para poucos líderes”,
lembrou ele, ponderando que o impeachment da presidenta não deve ser celebrado
nem pela oposição.
O
jurista Dalmo Dallari, um dos nomes mais respeitados do meio jurídico
brasileiro, disse ontem à BBC Brasil que
o pedido de impeachment não tem consistência jurídica. Questionado
especificamente sobre as chamadas pedaladas fiscais do governo para fechar suas
contas – principal argumento do pedido de impeachment formulado pelos juristas
Hélio Bicudo e Miguel Reale Jr –, Dallari disse não ter identificado crime de
responsabilidade fiscal: "As pedaladas não caracterizam o crime de
responsabilidade fiscal porque não houve qualquer prejuízo para o erário. As
pedaladas configuram um artifício contábil, mas o dinheiro não sai dos cofres
públicos, então não ficam caracterizados os crimes de apropriação indébita ou
desvio de recursos", pontuou. "Não há nada nas pedaladas ou no pedido
de impeachment que identifique uma responsabilidade da figura da presidente da
República", complementa o jurista.
Celso
Antônio Bandeira de Mello, foi mais longe: disse que o processo de abertura do
impeachment “é uma palhaçada”. “Pelo que tudo indica, e o que a gente vê na
imprensa, a razão foi exclusivamente política, sem nenhum embasamento na lei”,
afirma o jurista, em entrevista ao Jornal
do Brasil. Bandeira de Mello afirmou ainda que a decisão de Cunha foi
consequência do fato de os deputados petistas terem garantido votos a favor da
admissibilidade do perecer que pede a abertura do processo de cassação do
presidente da Câmara, a ser votada no Conselho de Ética.
Também
de acordo com o jurista, mesmo com o processo já aberto, a presidenta não corre
grandes riscos de cassação: “Eu não acredito [na cassação]. Seria uma enorme
falta de dignidade por parte dos congressistas”.
Ministro
da Fazenda de José Sarney e de Ciência e Tecnologia durante o governo de
Fernando Henrique Cardoso, o economista, cientista político e advogado Luis
Carlos Bresser-Pereira disse, nessa quinta-feira, em entrevista ao Estado de S.Paulo, que o processo de
impeachment, cuja abertura foi autorizada pelo presidente da Câmara, não tem
base jurídica razoável. "Primeiro, em relação ao impeachment, eu acho que
ele nasce morto. Já sabíamos que ele não tinha base jurídica razoável. A
presidente tem muitos defeitos e dificuldades, mas não cometeu crime nenhum. É
uma mulher de alta dignidade. Esse pedido de impeachment nasce de uma chantagem
feita pelo Eduardo Cunha e, portanto, é moralmente muito prejudicado. Segundo,
eu nunca acreditei que o impeachment viesse a acontecer", observou
Bresser-Pereira.
Um
dia antes, em entrevista concedida a BBC
Brasil, Bresser avaliou que a crise política atual está
ligada a uma grande “insatisfação da classe média”, que teria desenvolvido um
ódio em relação ao PT e ao governo. “O PT não traiu os pobres, foi coerente
nesse ponto, embora também tenha deixado os ricos ganharem muito dinheiro.
Então os ricos e os pobres ganharam e a classe média ficou de fora. Essa classe
(média) desenvolveu um ódio profundo ao PT e o governo. Uma coisa irracional,
perigosa e antidemocrática”. Segundo ele, um setor da sociedade brasileira
radicalizou para a direita e passou a adotar posições “piores que udenistas,
fascistas”. O ex-ministro negou o discurso
que a oposição tenta emplacar, de que a presidenta teria praticado um
“estelionato eleitoral”, ao rever propostas de governo. “De nenhuma maneira.
(...) Em outubro de 2014, quem estava prevendo que o Brasil entraria em uma
gravíssima recessão econômica, com queda de 3% do PIB? Ninguém. Não sabíamos. A
economia é uma cienciazinha muito modesta, só é perfeita na cabeça dos
economistas ortodoxos. Só se começou a falar em crise em dezembro”, disse.
Para o professor Luiz Moreira, um dos pioneiros do
debate sobre judicialização no país, que ocupou o Conselho Nacional do
Ministério Público por dois mandatos, o pedido de impeachment de Dilma Rousseff
carece não apenas de um motivo legal – não tem amparo sequer nos pretextos
jurídicos que a oposição tentou construir desde a derrota na campanha
eleitoral. Em entrevista ao site Brasil 247,
Luiz Moreira explica uma questão essencial. Com a aprovação, pelo Congresso,
das metas fiscais para 2015, acabou qualquer polêmica em possível em torno
daquele fenômeno chamado de “pedaladas fiscais.” Lembrando um mandamento básico
do direito, o professor recorda que a votação de quarta-feira é criou um marco
jurídico novo para se debater a questão: “havendo lei a autorizar o ato, essa
conduta passa a ser legal.” Em função disso, diz o professor, o STF deve
declarar o processo inconstitucional.
Sobre o pedido de impeachment e as pedaladas
fiscais, especificamente, Luiz Moreira esclarece: “No pedido ora admitido,
restaria um único fato novo: aquele apontado pela área técnica do TCU na
questão da suposta manobra contábil no corrente ano de 2015. Essa suposta
manobra contábil passou a ser conhecida como pedalada justamente por ter sido
praticada sem a devida autorização legislativa. Havendo lei a autorizar o ato,
essa conduta passa a ser legal. O Congresso Nacional acaba de aprovar o PLC
05/2015, pelo qual foi houve autorização para que o Governo adeque suas
práticas contábeis à legislação vigente. Ou seja, ainda que houvesse fato
criminoso esse crime foi desconstituído pela aprovação de lei pelo Congresso”.
E Moreira prossegue em sua análise: “A situação é a seguinte: qual o crime
atribuído à presidente Dilma? A prática de artifícios contábeis não previstos
em lei. No entanto, ainda que editada posteriormente ao fato que se
pretende apontar como crime de responsabilidade, a lei aprovada retroage
para todos os efeitos, gerando aquilo que tecnicamente é conhecido
como "abolitio criminis". Portanto, o único fato novo apontado
na representação, e que ensejou a deflagração do processo de impedimento do
mandato presidencial, foi agasalhado pela aprovação da nova lei pelo Congresso
Nacional. Desse modo, a chamada pedalada passou a ser atípica, pois sua prática
está prevista em lei e isso conduz à falta de justa causa para início do
processo de impeachment”.
Advogado e professor de Direito da USP e do Mackenzie, o
ex-governador de São Paulo Cláudio Lembo escreveu parecer, no qual se
posiciona contra o impeachment da presidenta Dilma Rousseff. No texto, ele
defende que o afastamento de presidentes se tornou “uma nova patologia” na
política latino-americana. Para ele, PSDB e DEM, que encabeçam a campanha
golpista no Brasil, estão “perdidos, em estado de neurose coletiva”. “Os golpes militares da época da Guerra Fria estão sendo substituídos
pelo impeachment. A função do Congresso é fiscalizar os governos, e não
derrubá-los. Isso é o mesmo que bater às portas dos quartéis”, diz ele, segundo
o colunista da Folha de S. Paulo, Bernardo Mello Franco. O professor,
que foi filiado ao DEM até 2011, afirma que a sua antiga legenda e o PSDB
querem “derrubar o governo a qualquer custo”, inconformados com o resultado das
urnas em 2014. “A oposição não aceitou o resultado da eleição e quer derrubar o
governo a qualquer custo. Só sabem falar em impeachment. Estão perdidos, em
estado de neurose coletiva.” Na argumentação contra o impeachment do advogado,
hoje filiado ao PSD, há espaço também para críticas à elite golpista. “A elite
branca está furiosa. Não entendeu que o Brasil mudou, por isso está perdida.”
É isso. Consistência não há nesse pedido de
impeachment de agora. Diferentemente do escândalo que envolveu e acabou
derrubando o então presidente Collor de Mello, não há indícios de que Dilma
tenha cometido qualquer irregularidade ou que tenha se beneficiado do erário
público. Em 1992, Collor
foi acusado de participar de um esquema de corrupção chefiado por Paulo César
Farias e surgiram provas de que ele se beneficiou dele, através do pagamento de
despesas pessoais suas e de sua mulher, e até da compra de um carro, o
emblemático Fiat Elba. Já Dilma, nas palavras de Tereza Cruvinel, é acusada de
um crime de difícil compreensão pela maioria do eleitorado, um crime de gestão:
“de ter violado a lei de responsabilidade fiscal e atentado contra a lei
orçamentária, realizando despesas que ultrapassaram os limites fixados, e de
ter editado decretos autorizando gastos sem a devida aprovação congressual”. A diferença
é gritante, ora pois. Sem contar que, diferentemente de Collor, a presidenta
Dilma Rousseff não encontra-se isolada no poder, há um gama de forças progressistas
que já sinalizaram que estarão ao seu lado.
Mas que a briga
promete, ah, isso promete. Serão meses de paralisação de projetos necessário
para o Brasil, enquanto a população acompanhará inflamados debates pela
TV. Sem esquecer que a Rede Globo é e continuará sendo o centro
nervoso do golpe. “É nos seus estúdios que são e serão construídas as
narrativas para justifcar a ruptura com o processo democrático. Assim como
fizeram em 1964”, disse alguém nas redes sociais. Enfim, o sinal de alerta já
foi acionado, e quem for defensor da democracia, que saia às ruas em sua
defesa. Eu vou ali pegar a minha bandeira. #NaoVaiTerGolpe.
* Fabiana Agra é advogada e jornalista.
FONTES: BBC Brasil, Brasil 247, Folha, El País, Jornal do Brasil, Estado
de S. Paulo.
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