sábado, 5 de dezembro de 2015

Sobre o "Impeachment das Pedaladas"




Nos últimos dois dias, dezenas de amigos virtuais me perguntaram acerca da possibilidade de Dilma “sofrer um impeachment”. Enquanto operadora do direito tenho minha opinião mais que formada sobre o assunto, abalizada a partir das análises dos mais conceituados juristas brasileiros, de cientistas políticos e de vários brasilianistas. Assim, contribuo para este debate que está apenas começando.

E começo respondendo à pergunta que umas quatro pessoas me enviaram: sim, há chance do impeachment prosperar e Dilma cair – mas tal hipótese soa improvável, nas atuais circunstâncias significará golpe, como explicarei a seguir. Obviamente, a chance de ocorrer se aproxima, pois o processo foi aberto; mas o que definirá o impeachment não serão possíveis conchavos entre os deputados, mas a pressão das ruas e da imprensa – essas duas forças sim, farão toda a diferença nos próximos dias e meses.

O cientista político Thiago de Aragão, da Arko Advice, dizia, semanas atrás, que o Brasil havia chegado a um ponto onde “a certeza do disparate supera a expectativa da normalidade”. Mas digo mais: a partir de agora, talvez a anormalidade é quem dê o tom! Aragão, em entrevista ao El País, confirma isso, já que a política brasileira se volta para um grande tópico em um momento em que temos vários grandes assuntos para resolver. “Muita agenda para poucos líderes”, lembrou ele, ponderando que o impeachment da presidenta não deve ser celebrado nem pela oposição.

O jurista Dalmo Dallari, um dos nomes mais respeitados do meio jurídico brasileiro, disse ontem à BBC Brasil que o pedido de impeachment não tem consistência jurídica. Questionado especificamente sobre as chamadas pedaladas fiscais do governo para fechar suas contas – principal argumento do pedido de impeachment formulado pelos juristas Hélio Bicudo e Miguel Reale Jr –, Dallari disse não ter identificado crime de responsabilidade fiscal: "As pedaladas não caracterizam o crime de responsabilidade fiscal porque não houve qualquer prejuízo para o erário. As pedaladas configuram um artifício contábil, mas o dinheiro não sai dos cofres públicos, então não ficam caracterizados os crimes de apropriação indébita ou desvio de recursos", pontuou. "Não há nada nas pedaladas ou no pedido de impeachment que identifique uma responsabilidade da figura da presidente da República", complementa o jurista.

Celso Antônio Bandeira de Mello, foi mais longe: disse que o processo de abertura do impeachment “é uma palhaçada”. “Pelo que tudo indica, e o que a gente vê na imprensa, a razão foi exclusivamente política, sem nenhum embasamento na lei”, afirma o jurista, em entrevista ao Jornal do Brasil. Bandeira de Mello afirmou ainda que a decisão de Cunha foi consequência do fato de os deputados petistas terem garantido votos a favor da admissibilidade do perecer que pede a abertura do processo de cassação do presidente da Câmara, a ser votada no Conselho de Ética.
Também de acordo com o jurista, mesmo com o processo já aberto, a presidenta não corre grandes riscos de cassação: “Eu não acredito [na cassação]. Seria uma enorme falta de dignidade por parte dos congressistas”.

Ministro da Fazenda de José Sarney e de Ciência e Tecnologia durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, o economista, cientista político e advogado Luis Carlos Bresser-Pereira disse, nessa quinta-feira, em entrevista ao Estado de S.Paulo,  que o processo de impeachment, cuja abertura foi autorizada pelo presidente da Câmara, não tem base jurídica razoável. "Primeiro, em relação ao impeachment, eu acho que ele nasce morto. Já sabíamos que ele não tinha base jurídica razoável. A presidente tem muitos defeitos e dificuldades, mas não cometeu crime nenhum. É uma mulher de alta dignidade. Esse pedido de impeachment nasce de uma chantagem feita pelo Eduardo Cunha e, portanto, é moralmente muito prejudicado. Segundo, eu nunca acreditei que o impeachment viesse a acontecer", observou Bresser-Pereira.
Um dia antes, em entrevista concedida a BBC Brasil, Bresser avaliou que a crise política atual está ligada a uma grande “insatisfação da classe média”, que teria desenvolvido um ódio em relação ao PT e ao governo. “O PT não traiu os pobres, foi coerente nesse ponto, embora também tenha deixado os ricos ganharem muito dinheiro. Então os ricos e os pobres ganharam e a classe média ficou de fora. Essa classe (média) desenvolveu um ódio profundo ao PT e o governo. Uma coisa irracional, perigosa e antidemocrática”. Segundo ele, um setor da sociedade brasileira radicalizou para a direita e passou a adotar posições “piores que udenistas, fascistas”.  O ex-ministro negou o discurso que a oposição tenta emplacar, de que a presidenta teria praticado um “estelionato eleitoral”, ao rever propostas de governo. “De nenhuma maneira. (...) Em outubro de 2014, quem estava prevendo que o Brasil entraria em uma gravíssima recessão econômica, com queda de 3% do PIB? Ninguém. Não sabíamos. A economia é uma cienciazinha muito modesta, só é perfeita na cabeça dos economistas ortodoxos. Só se começou a falar em crise em dezembro”, disse.

Para o professor Luiz Moreira, um dos pioneiros do debate sobre judicialização no país, que ocupou o Conselho Nacional do Ministério Público por dois mandatos, o pedido de impeachment de Dilma Rousseff carece não apenas de um motivo legal – não tem amparo sequer nos pretextos jurídicos que a oposição tentou construir desde a derrota na campanha eleitoral. Em entrevista ao site Brasil 247, Luiz Moreira explica uma questão essencial. Com a aprovação, pelo Congresso, das metas fiscais para 2015, acabou qualquer polêmica em possível em torno daquele fenômeno chamado de “pedaladas fiscais.” Lembrando um mandamento básico do direito, o professor recorda que a votação de quarta-feira é criou um marco jurídico novo para se debater a questão: “havendo lei a autorizar o ato, essa conduta passa a ser legal.” Em função disso, diz o professor, o STF deve declarar o processo inconstitucional.

Sobre o pedido de impeachment e as pedaladas fiscais, especificamente, Luiz Moreira esclarece: “No pedido ora admitido, restaria um único fato novo: aquele apontado pela área técnica do TCU na questão da suposta manobra contábil no corrente ano de 2015. Essa suposta manobra contábil passou a ser conhecida como pedalada justamente por ter sido praticada sem a devida autorização legislativa. Havendo lei a autorizar o ato, essa conduta passa a ser legal. O Congresso Nacional acaba de aprovar o PLC 05/2015, pelo qual foi houve autorização para que o Governo adeque suas práticas contábeis à legislação vigente. Ou seja, ainda que houvesse fato criminoso esse crime foi desconstituído pela aprovação de lei pelo Congresso”. E Moreira prossegue em sua análise: “A situação é a seguinte: qual o crime atribuído à presidente Dilma? A prática de artifícios contábeis não previstos em lei. No entanto, ainda que editada posteriormente ao fato que se pretende apontar como  crime de responsabilidade, a lei aprovada retroage para todos os efeitos, gerando aquilo que tecnicamente é conhecido como "abolitio criminis". Portanto, o único fato novo apontado na representação, e que ensejou a deflagração do processo de impedimento do mandato presidencial, foi agasalhado pela aprovação da nova lei pelo Congresso Nacional. Desse modo, a chamada pedalada passou a ser atípica, pois sua prática está prevista em lei e isso conduz à falta de justa causa para início do processo de impeachment”.

Advogado e professor de Direito da USP e do Mackenzie, o ex-governador de São Paulo Cláudio Lembo escreveu parecer, no qual se posiciona contra o impeachment da presidenta Dilma Rousseff. No texto, ele defende que o afastamento de presidentes se tornou “uma nova patologia” na política latino-americana. Para ele, PSDB e DEM, que encabeçam a campanha golpista no Brasil, estão “perdidos, em estado de neurose coletiva”.  “Os golpes militares da época da Guerra Fria estão sendo substituídos pelo impeachment. A função do Congresso é fiscalizar os governos, e não derrubá-los. Isso é o mesmo que bater às portas dos quartéis”, diz ele, segundo o colunista da Folha de S. Paulo, Bernardo Mello Franco. O professor, que foi filiado ao DEM até 2011, afirma que a sua antiga legenda e o PSDB querem “derrubar o governo a qualquer custo”, inconformados com o resultado das urnas em 2014. “A oposição não aceitou o resultado da eleição e quer derrubar o governo a qualquer custo. Só sabem falar em impeachment. Estão perdidos, em estado de neurose coletiva.” Na argumentação contra o impeachment do advogado, hoje filiado ao PSD, há espaço também para críticas à elite golpista. “A elite branca está furiosa. Não entendeu que o Brasil mudou, por isso está perdida.”

É isso. Consistência não há nesse pedido de impeachment de agora. Diferentemente do escândalo que envolveu e acabou derrubando o então presidente Collor de Mello, não há indícios de que Dilma tenha cometido qualquer irregularidade ou que tenha se beneficiado do erário público. Em 1992, Collor foi acusado de participar de um esquema de corrupção chefiado por Paulo César Farias e surgiram provas de que ele se beneficiou dele, através do pagamento de despesas pessoais suas e de sua mulher, e até da compra de um carro, o emblemático Fiat Elba. Já Dilma, nas palavras de Tereza Cruvinel, é acusada de um crime de difícil compreensão pela maioria do eleitorado, um crime de gestão: “de ter violado a lei de responsabilidade fiscal e atentado contra a lei orçamentária, realizando despesas que ultrapassaram os limites fixados, e de ter editado decretos autorizando gastos sem a devida aprovação congressual”. A diferença é gritante, ora pois. Sem contar que, diferentemente de Collor, a presidenta Dilma Rousseff não encontra-se isolada no poder, há um gama de forças progressistas que já sinalizaram que estarão ao seu lado.

Mas que a briga promete, ah, isso promete. Serão meses de paralisação de projetos necessário para o Brasil, enquanto a população acompanhará inflamados debates pela TV.  Sem esquecer que a Rede Globo é e continuará sendo o centro nervoso do golpe. “É nos seus estúdios que são e serão construídas as narrativas para justifcar a ruptura com o processo democrático. Assim como fizeram em 1964”, disse alguém nas redes sociais. Enfim, o sinal de alerta já foi acionado, e quem for defensor da democracia, que saia às ruas em sua defesa. Eu vou ali pegar a minha bandeira. #NaoVaiTerGolpe.


* Fabiana Agra é advogada e jornalista.

FONTES: BBC Brasil, Brasil 247, Folha, El País, Jornal do Brasil, Estado de S. Paulo.

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