1º de maio dos sindicatos
Seguramente,
o ano de 2015 verá uma comemoração relativa ao dia do trabalhador bem diferente
daquelas realizadas nos últimos tempos, onde os trabalhadores apenas “remexiam
as cadeiras” ao som de dezenas de atrações no Vale do Anhangabaú (São Paulo) e
em tantas outras festividades Brasil afora. Está certo que os shows continuam a
acontecer, o que também é salutar, mas ano de 2015 está vendo ressurgir a força
dos trabalhadores que hoje sairão “em defesa dos direitos da classe trabalhadora,
da democracia, da Petrobras e da reforma política”.
Neste 1º de
maio, diversas entidades trabalhistas assinam um texto onde ressaltam o respeito
aos direitos trabalhistas e à democracia, além de reforçarem a pressão contra o
Projeto de Lei 4330/04 (que retira direitos trabalhistas históricos ao permitir
a terceirização sem limites, em todas as funções de qualquer empresa e setor). Também
continua, por parte dos trabalhadores, a mobilização contra a Medida Provisória
(MPs) 664 e 655, que, respectivamente, muda as regras para a concessão do
auxílio-doença e pensão por morte, e que dificulta o acesso ao
seguro-desemprego e ao abono salarial. Outro embate é pela manutenção do estado
democrático de direito, contra a onda golpista em curso, que, se for vitoriosa,
trará retrocessos a toda a sociedade brasileira. Os movimentos reforçam, ainda,
a luta em defesa da Petrobras, alvo de ataques por aqueles que querem
enfraquecer o patrimônio brasileiro com o intuito de privatizá-lo, transferindo
os recursos do pré-sal – que devem ser investidos em saúde e educação – à
iniciativa privada.
Dois dias antes, em Curitiba...
Não
obstante, a data de hoje ficará marcada mesmo devido à repercussão dos últimos
acontecimentos no Paraná, mais precisamente nas ruas que circundam o Palácio
Iguaçu, sede do Executivo, e a Assembleia Legislativa, em Curitiba, palco de um
verdadeiro massacre ocorrido na última quarta-feira, 29 de abril. Os acontecimentos
já estão devidamente disseminados nas redes sociais e não vou descrever o que
aconteceu naquele lugar com os professores e servidores estaduais paranaeses –
as centenas de imagens visualizadas na internet falam por si: agressões com
cassetete e jatos de spray de pimenta, bombas e balas de borracha, deixaram um
saldo impreciso, mas que pode ultrapassar a marca de 200 servidores e
professores feridos pelo despreparo e truculência dos policiais militares do
Paraná.
A
repercussão do acontecimento nas ruas de Curitiba foi imediata no restante do
estado. A OAB do Paraná lançou uma nota de repúdio às medidas e classificou o
episódio como um “verdadeiro massacre”. O procurador-geral de Justiça do
Paraná, Gilberto Giacoia, determinou a instauração de procedimento destinado a
apurar responsabilidades por "eventual excesso" na repressão das
manifestações. A APP-Sindicato, que lidera as manifestações em nome dos
professores, emitiu nota de repúdio afirmando que "o governo do Paraná ultrapassou todos os limites de civilidade, moralidade e
humanidade", criando "mancha deplorável" na história paranaense.
Na contramão das diversas entidades paranaeses, o governador Richa, em
nota oficial, atribuiu a repressão da Polícia Militar contra o ato de
servidores estaduais, à "agressão" e ao "vandalismo" de
manifestantes que estariam infiltrados no protesto, entre eles adeptos do
"movimento black bloc". Assisti dezenas de vezes às imagens
captadas no Centro Cívico e confesso não ter visto ninguém com cara de “black bloc”;
o que observei foram centenas de professores, iguais aqueles milhões de
profissionais que labutam diariamente nas salas de aula do país – e que ainda
não são, nem de longe, verdadeiramente valorizados pela importância na formação
de cada cidadão brasileiro.
As
repercussões do “Massacre no Paraná”
No
dia seguinte ao acontecimento que já foi batizado por “Massacre no Paraná”, o Ministério
da Educação divulgou uma nota em que lamentou os fatos ocorridos em Curitiba e
reiterou que “a convicção de que o diálogo é o caminho para solucionar os
conflitos. A greve e seus desdobramentos, entre eles os mais graves e
inaceitáveis, como a violência, praticada por qualquer parte, prejudicam a
todos: estudantes, professores, pais e sociedade”. Já a CDH (Comissão de
Direitos Humanos) do Senado divulgou, também na quinta-feira (30), uma nota de
repúdio que faz críticas ao governador do Paraná: "Foram cenas de horror
que aconteceram em virtude da incapacidade de gerenciamento da situação por
parte do comando da Polícia Militar local, e de seu comandante maior, o
governador do Estado do Paraná, Beto Richa", diz o texto. A CDH aprovou
também a realização de uma audiência pública, a ser realizada no próximo dia 6,
para debater os excessos cometidos pela Polícia Militar do Estado. Além do
governador tucano, serão convidados a participar o secretário de Segurança,
Francisco Francischini, e outras autoridades paranaenses. Por sua vez, Renato
Janine Ribeiro, ministro da Educação, disse à revista Época que “a violência,
praticada por qualquer parte, prejudica a todos, estudantes, professores, pais
e sociedade”.
No entanto, a violência da
Polícia Militar contra os servidores e professores em Curitiba,não repercutiu
apenas no Brasil, sendo destaque em diferentes jornais ao redor do mundo. O The New York Times enfatizou o número de
150 professores feridos. O El País,
principal jornal da Espanha, destaca que mais de 150 professores ficaram
feridos no protesto. O Daily Mail, da
Inglaterra, informa que mais de 100 pessoas foram feridas. A
rede de televisão americana Fox News e a rede latino americana Telesur também destacaram a violência
O
site do jornal El País no Brasil,
destacou as críticas feitas pela Anistia Internacional, relativas à ação da
Polícia Militar do Paraná. “O governador do Estado, Beto Richa, e o comando da
PM precisam assumir total responsabilidade pela
repressão violenta à manifestação de professores”, afirmou a organização em
nota. “Isso é um agressão à liberdade de expressão e ao direito à manifestação
pacífica”, disse Atila Roque, diretor executivo da Anistia no Brasil. A
entidade criticou também a reação das autoridades após a ação da polícia. O
governador Beto Richa acusou “black blocs” e o PT, de estarem por trás da
manifestação, e um porta-voz da PM disse à BBC que “desproporcional seria usar
armas letais”, numa referência ao fato da tropa ter usado balas de borracha e
bombas de gás.
No
texto divulgado, a Anistia cita os 17 policiais militares que supostamente
foram presos por terem se recusado a disparar contra manifestantes. O El País ouviu de policiais, que não
quiseram se identificar, que “mais de 50 colegas estão presos e já passam por
processo de exoneração por terem desobedecido as ordens do comandante da
operação”. Mas a assessoria de imprensa da corporação nega os fatos.
Despreparo
e descontrole
Aqui, um contraponto.
Não quero demonizar a PM paranaense, mas demonstrar rapidamente, as razões para
os acontecimentos no Centro Cívico do Paraná. Em matéria do site UOL, especialistas em segurança
pública apontaram várias falhas na ação da Polícia Militar do Paraná no último
dia 29 de abril. Para o coronel José Vicente, professor do Centro de Altos
Estudos da Polícia Militar de São Paulo e consultor de segurança pública, a
localização do prédio da assembleia proporcionava certa "facilidade
operacional" para a PM paranaense, "mas houve falha na preparação e
na execução [da ação]". "As tropas foram levadas de qualquer jeito”,
disse o especialista. Vicente afirmou nunca ter visto número tão grande de
feridos em operações como esta. "Não adianta ter grande quantidade e ter
pessoas que não têm experiência. Não tinha homogeneidade de comando", disse.
"Muita coisa errada aconteceu. Não foi um planejamento detalhado e
cuidadoso."
Parte do efetivo que participou
da operação pertence ao Bope (Batalhão de Operações Especiais), tropa de elite
da corporação, ou seja, a mais treinada para esse tipo de atuação. Essa tropa
ficou na retaguarda, mais próxima ao prédio da Assembleia. Na opinião do
consultor, o Bope agiu de forma incorreta. "Estranhei a tropa de choque
indo em direção à multidão. Raramente se usa esse tipo de expediente. Essa
tropa tinha que ser mais passiva do que ativa."
Policiais de outros batalhões
fizeram as barreiras mais à frente. Segundo Vicente, são policiais menos
habituados a trabalhar em protestos por não terem o mesmo nível de treinamento
e não suportarem provocações por muito tempo.
Vicente também afirmou que houve
falha na organização do serviço de atendimento aos feridos e que o uso de cães
nesse tipo de operação é despropositado. Um deles atacou um cinegrafista
da Band, enquanto outro mordeu o deputado Rasca Rodrigues. "Faz mais de
dez anos que não se usa cães nesse tipo de operação em São Paulo. O cão pode se
estressar e ficar incontrolável." Finalizou Vicente.
Na opinião de Algacir
Mikaloviski, professor e coordenador do Núcleo de Pesquisa em Segurança Pública
e Privada da Universidade Tuiuti do Paraná, era necessário negociar mais com os
manifestantes. "A situação poderia ter sido controlada se houvesse mais
diálogo e negociação, como acontece em casos de sequestro". Para o
professor, que também é delegado da Polícia Federal, é preciso investigar a
forma como os policiais usaram bombas de ar lacrimogênio e armas com balas de
borracha. "O caso determinava, pela gravidade a que chegou, o emprego
dessas armas [não letais]. O que se contesta é a forma do emprego. Nunca se
dispara no rosto. A distância mínima [para atirar] é de dez metros e tem que
mirar da cintura para baixo. A bala de borracha pode cegar uma pessoa."
E agora, Paraná? E agora, Brasil?
As cenas vindas do
Paraná remetem a um Brasil que ficou no passado e que não pode voltar. Os trabalhadores
tem todo o direito de protestarem e reivindicarem, e seus excessos devem ser
combatidos dentro da legalidade, jamais através do uso da força desmedida. No
entanto, ninguém sabe ainda os desdobramentos e conseqüências desse 29 de abril
que, apesar de ter acontecido em um estado, manchou de sangue todo o país,
manchou a Educação brasileira com uma nódoa que só poderá ser lavada quando o
governador Richa – o verdadeiro responsável pelo massacre de servidores e
professores paranaenses – responder pelos seus atos ditatoriais. Richa encarna
o lado mais sombrio da extrema-direita que debutou no Brasil dos últimos meses:
uma direita nazifascista, que não envergonha-se de mostrar sua verdadeira face a
uma nação que ainda não tem sedimentada a sua democracia. É essa
extrema-direita que comanda uma mídia onde Rachel Sheherazade, José Luiz Datena
e Marcelo Rezende são seus porta-vozes máximos, a disseminarem o ódio sem medidas
contra as minorias, os menores infratores e as favelas.
A
nós brasileiros, resta não somente a indignação, mas passarmos a marcar posição
na guerra diária travada pela mídia e por uma direita conservadora, que além de
quererem tomar todos os direitos dos trabalhadores, ainda fazem esses
trabalhadores sangrarem, literalmente.
1º
de maio manchado de sangue! Do sangue dos servidores e educadores do Paraná, do
sangue dos brasileiros que veem seus direitos, duramente conquistados nas
últimas décadas, serem usurpados por aqueles que dominam há 515 anos um país
que sempre foi de poucos. Trocando em miúdos, a luta terá que ser diária e de
todos aqueles que querem um Brasil mais igual, um “Brasil para todos”, uma “Pátria
Educadora”.
* Fabiana Agra é advogada e jornalista.
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