sexta-feira, 1 de maio de 2015

1º DE MAIO MANCHADO DE SANGUE



1º de maio dos sindicatos
Seguramente, o ano de 2015 verá uma comemoração relativa ao dia do trabalhador bem diferente daquelas realizadas nos últimos tempos, onde os trabalhadores apenas “remexiam as cadeiras” ao som de dezenas de atrações no Vale do Anhangabaú (São Paulo) e em tantas outras festividades Brasil afora. Está certo que os shows continuam a acontecer, o que também é salutar, mas ano de 2015 está vendo ressurgir a força dos trabalhadores que hoje sairão “em defesa dos direitos da classe trabalhadora, da democracia, da Petrobras e da reforma política”.
Neste 1º de maio, diversas entidades trabalhistas assinam um texto onde ressaltam o respeito aos direitos trabalhistas e à democracia, além de reforçarem a pressão contra o Projeto de Lei 4330/04 (que retira direitos trabalhistas históricos ao permitir a terceirização sem limites, em todas as funções de qualquer empresa e setor). Também continua, por parte dos trabalhadores, a mobilização contra a Medida Provisória (MPs) 664 e 655, que, respectivamente, muda as regras para a concessão do auxílio-doença e pensão por morte, e que dificulta o acesso ao seguro-desemprego e ao abono salarial. Outro embate é pela manutenção do estado democrático de direito, contra a onda golpista em curso, que, se for vitoriosa, trará retrocessos a toda a sociedade brasileira. Os movimentos reforçam, ainda, a luta em defesa da Petrobras, alvo de ataques por aqueles que querem enfraquecer o patrimônio brasileiro com o intuito de privatizá-lo, transferindo os recursos do pré-sal – que devem ser investidos em saúde e educação – à iniciativa privada.

Dois dias antes, em Curitiba...
Não obstante, a data de hoje ficará marcada mesmo devido à repercussão dos últimos acontecimentos no Paraná, mais precisamente nas ruas que circundam o Palácio Iguaçu, sede do Executivo, e a Assembleia Legislativa, em Curitiba, palco de um verdadeiro massacre ocorrido na última quarta-feira, 29 de abril. Os acontecimentos já estão devidamente disseminados nas redes sociais e não vou descrever o que aconteceu naquele lugar com os professores e servidores estaduais paranaeses – as centenas de imagens visualizadas na internet falam por si: agressões com cassetete e jatos de spray de pimenta, bombas e balas de borracha, deixaram um saldo impreciso, mas que pode ultrapassar a marca de 200 servidores e professores feridos pelo despreparo e truculência dos policiais militares do Paraná.
A repercussão do acontecimento nas ruas de Curitiba foi imediata no restante do estado. A OAB do Paraná lançou uma nota de repúdio às medidas e classificou o episódio como um “verdadeiro massacre”. O procurador-geral de Justiça do Paraná, Gilberto Giacoia, determinou a instauração de procedimento destinado a apurar responsabilidades por "eventual excesso" na repressão das manifestações. A APP-Sindicato, que lidera as manifestações em nome dos professores, emitiu nota de repúdio afirmando que "o governo do Paraná ultrapassou todos os limites de civilidade, moralidade e humanidade", criando "mancha deplorável" na história paranaense. Na contramão das diversas entidades paranaeses, o governador Richa, em nota oficial, atribuiu a repressão da Polícia Militar contra o ato de servidores estaduais, à "agressão" e ao "vandalismo" de manifestantes que estariam infiltrados no protesto, entre eles adeptos do "movimento black bloc". Assisti dezenas de vezes às imagens captadas no Centro Cívico e confesso não ter visto ninguém com cara de “black bloc”; o que observei foram centenas de professores, iguais aqueles milhões de profissionais que labutam diariamente nas salas de aula do país – e que ainda não são, nem de longe, verdadeiramente valorizados pela importância na formação de cada cidadão brasileiro.

As repercussões do “Massacre no Paraná”
No dia seguinte ao acontecimento que já foi batizado por “Massacre no Paraná”, o Ministério da Educação divulgou uma nota em que lamentou os fatos ocorridos em Curitiba e reiterou que “a convicção de que o diálogo é o caminho para solucionar os conflitos. A greve e seus desdobramentos, entre eles os mais graves e inaceitáveis, como a violência, praticada por qualquer parte, prejudicam a todos: estudantes, professores, pais e sociedade”. Já a CDH (Comissão de Direitos Humanos) do Senado divulgou, também na quinta-feira (30), uma nota de repúdio que faz críticas ao governador do Paraná: "Foram cenas de horror que aconteceram em virtude da incapacidade de gerenciamento da situação por parte do comando da Polícia Militar local, e de seu comandante maior, o governador do Estado do Paraná, Beto Richa", diz o texto. A CDH aprovou também a realização de uma audiência pública, a ser realizada no próximo dia 6, para debater os excessos cometidos pela Polícia Militar do Estado. Além do governador tucano, serão convidados a participar o secretário de Segurança, Francisco Francischini, e outras autoridades paranaenses. Por sua vez, Renato Janine Ribeiro, ministro da Educação, disse à revista Época que “a violência, praticada por qualquer parte, prejudica a todos, estudantes, professores, pais e sociedade”.
No entanto, a violência da Polícia Militar contra os servidores e professores em Curitiba,não repercutiu apenas no Brasil, sendo destaque em diferentes jornais ao redor do mundo. O The New York Times enfatizou o número de 150 professores feridos. O El País, principal jornal da Espanha, destaca que mais de 150 professores ficaram feridos no protesto. O Daily Mail, da Inglaterra, informa que mais de 100 pessoas foram feridas. A rede de televisão americana Fox News e a rede latino americana Telesur também destacaram a violência
O site do jornal El País no Brasil, destacou as críticas feitas pela Anistia Internacional, relativas à ação da Polícia Militar do Paraná. “O governador do Estado, Beto Richa, e o comando da PM precisam assumir total responsabilidade pela repressão violenta à manifestação de professores”, afirmou a organização em nota. “Isso é um agressão à liberdade de expressão e ao direito à manifestação pacífica”, disse Atila Roque, diretor executivo da Anistia no Brasil. A entidade criticou também a reação das autoridades após a ação da polícia. O governador Beto Richa acusou “black blocs” e o PT, de estarem por trás da manifestação, e um porta-voz da PM disse à BBC que “desproporcional seria usar armas letais”, numa referência ao fato da tropa ter usado balas de borracha e bombas de gás.
No texto divulgado, a Anistia cita os 17 policiais militares que supostamente foram presos por terem se recusado a disparar contra manifestantes. O El País ouviu de policiais, que não quiseram se identificar, que “mais de 50 colegas estão presos e já passam por processo de exoneração por terem desobedecido as ordens do comandante da operação”. Mas a assessoria de imprensa da corporação nega os fatos.

Despreparo e descontrole
Aqui, um contraponto. Não quero demonizar a PM paranaense, mas demonstrar rapidamente, as razões para os acontecimentos no Centro Cívico do Paraná. Em matéria do site UOL, especialistas em segurança pública apontaram várias falhas na ação da Polícia Militar do Paraná no último dia 29 de abril. Para o coronel José Vicente, professor do Centro de Altos Estudos da Polícia Militar de São Paulo e consultor de segurança pública, a localização do prédio da assembleia proporcionava certa "facilidade operacional" para a PM paranaense, "mas houve falha na preparação e na execução [da ação]". "As tropas foram levadas de qualquer jeito”, disse o especialista. Vicente afirmou nunca ter visto número tão grande de feridos em operações como esta. "Não adianta ter grande quantidade e ter pessoas que não têm experiência. Não tinha homogeneidade de comando", disse. "Muita coisa errada aconteceu. Não foi um planejamento detalhado e cuidadoso."
Parte do efetivo que participou da operação pertence ao Bope (Batalhão de Operações Especiais), tropa de elite da corporação, ou seja, a mais treinada para esse tipo de atuação. Essa tropa ficou na retaguarda, mais próxima ao prédio da Assembleia. Na opinião do consultor, o Bope agiu de forma incorreta. "Estranhei a tropa de choque indo em direção à multidão. Raramente se usa esse tipo de expediente. Essa tropa tinha que ser mais passiva do que ativa."
Policiais de outros batalhões fizeram as barreiras mais à frente. Segundo Vicente, são policiais menos habituados a trabalhar em protestos por não terem o mesmo nível de treinamento e não suportarem provocações por muito tempo.
Vicente também afirmou que houve falha na organização do serviço de atendimento aos feridos e que o uso de cães nesse tipo de operação é despropositado. Um deles atacou um cinegrafista da Band, enquanto outro mordeu o deputado Rasca Rodrigues. "Faz mais de dez anos que não se usa cães nesse tipo de operação em São Paulo. O cão pode se estressar e ficar incontrolável." Finalizou Vicente.
Na opinião de Algacir Mikaloviski, professor e coordenador do Núcleo de Pesquisa em Segurança Pública e Privada da Universidade Tuiuti do Paraná, era necessário negociar mais com os manifestantes. "A situação poderia ter sido controlada se houvesse mais diálogo e negociação, como acontece em casos de sequestro". Para o professor, que também é delegado da Polícia Federal, é preciso investigar a forma como os policiais usaram bombas de ar lacrimogênio e armas com balas de borracha. "O caso determinava, pela gravidade a que chegou, o emprego dessas armas [não letais]. O que se contesta é a forma do emprego. Nunca se dispara no rosto. A distância mínima [para atirar] é de dez metros e tem que mirar da cintura para baixo. A bala de borracha pode cegar uma pessoa."

E agora, Paraná? E agora, Brasil?
As cenas vindas do Paraná remetem a um Brasil que ficou no passado e que não pode voltar. Os trabalhadores tem todo o direito de protestarem e reivindicarem, e seus excessos devem ser combatidos dentro da legalidade, jamais através do uso da força desmedida. No entanto, ninguém sabe ainda os desdobramentos e conseqüências desse 29 de abril que, apesar de ter acontecido em um estado, manchou de sangue todo o país, manchou a Educação brasileira com uma nódoa que só poderá ser lavada quando o governador Richa – o verdadeiro responsável pelo massacre de servidores e professores paranaenses – responder pelos seus atos ditatoriais. Richa encarna o lado mais sombrio da extrema-direita que debutou no Brasil dos últimos meses: uma direita nazifascista, que não envergonha-se de mostrar sua verdadeira face a uma nação que ainda não tem sedimentada a sua democracia. É essa extrema-direita que comanda uma mídia onde Rachel Sheherazade, José Luiz Datena e Marcelo Rezende são seus porta-vozes máximos, a disseminarem o ódio sem medidas contra as minorias, os menores infratores e as favelas.
A nós brasileiros, resta não somente a indignação, mas passarmos a marcar posição na guerra diária travada pela mídia e por uma direita conservadora, que além de quererem tomar todos os direitos dos trabalhadores, ainda fazem esses trabalhadores sangrarem, literalmente.
1º de maio manchado de sangue! Do sangue dos servidores e educadores do Paraná, do sangue dos brasileiros que veem seus direitos, duramente conquistados nas últimas décadas, serem usurpados por aqueles que dominam há 515 anos um país que sempre foi de poucos. Trocando em miúdos, a luta terá que ser diária e de todos aqueles que querem um Brasil mais igual, um “Brasil para todos”, uma “Pátria Educadora”.

* Fabiana Agra é advogada e jornalista.

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