terça-feira, 9 de junho de 2015

A Guerra dos Bárbaros


PARTE I

Os motivos do conflito 
José Octávio de Arruda Mello, no livro “História da Paraíba: lutas e resistências”, lembra que a presença de entradistas e bandeirantes, pelo sertão da Paraíba, dispunha de outra motivação, além de espalhar o gado pelos campos do criatório. Tratava-se de prear índios, reduzidos ao cativeiro, para vendagem no litoral. Pessoas como Teodósio de Oliveira Lêdo encontravam-se, confessadamente, comprometidos com essa empreitada. Mas os índios reagiram, desencadeando a chamada “Guerra dos Bárbaros”, vigente nos sertões nordestinos, de 1680 a 1730, que recebeu também a denominação de Confederação dos Cariris. Só que não foram os cariris os responsáveis por esse procedimento, mas os tarairiú.
A historiadora carnaubense Maria da Paz Medeiros Dantas, por sua vez, explica que, concedidas as primeiras datas e sesmarias no interior semi-árido do Nordeste, certos grupos tapuias, principalmente aparentados dos janduís, começaram a sentir os efeitos negativos representados pela desapropriação de suas terras, indispensáveis à obtenção de sua alimentação baseada na caça, na pesca e na coleta de mel. Segundo a autora, “os vários grupos indígenas que dominavam as caatingas sertanejas, não viam com bons olhos a penetração do homem branco que chegava com gado, escravos e agregados e se instalava nas ribeiras mais férteis, afugentando os índios para as serras ou para as caatingas onde havia falta d’água durante quase todo o ano”. Convém salientar que em 1685, os janduís já demonstravam descontentamento. Em 1687, a situação se agravou, sendo descrita por Cascudo da seguinte forma: "Os índios corriam incendiando, matando o gado e os vaqueiros e plantadores do Sertão (...). Mais de cem homens mortos".
O Capitão-mor da capitania do Rio Grande, Pascoal Gonçalves de Carvalho, desesperado, solicitou socorro aos seus colegas Capitães-mores de Pernambuco e Paraíba, além do Senado da Câmara de Olinda. A situação era crítica, de fato. Os silvícolas avançavam rumo à capital. Atingiram Ceará-Mirim, próximo a Natal. Para se defenderem, os colonos construíram casas-fortes em Tamatanduba, Cunhaú, Goianinha, Mipibu, Guaraíras, Potengi, Utinga e Aldeia de São Miguel (Extremoz), - sendo que estas duas últimas, ficavam a poucos quilômetros da fortaleza dos Reis Magos.
Substancialmente, a tática colonizadora era a mesma do litoral, pois tratava-se de “dividir para reinar”, jogando os indígenas uns contra os outros. Como os tabajaras no litoral, os cariris fizeram-se aliados dos colonizadores, em face dos quais levantaram-se, com ousadia, os tarairiús. Por outro lado, os bandeirantes de Domingos Jorge Velho conduziram para o sertão da Paraíba escravos negros que, aculturados, depois de aprisionados em Palmares, foram utilizados contra os indígenas que resistiam. Aproveitando a luta, grupos de negros internaram-se pelos matos, sendo essa a origem de alguns quilombos sertanejos. Do lado da resistência indígena, notabilizaram-se os janduis, pegas, panatis e paiacus. Destes, os que não se internaram nos sertões do Rio Grande do Norte e Ceará foram exterminados. Essa a razão porque a contribuição do índio à civilização sertaneja, na Paraíba, é bem menor que no Ceará, onde artesanato e tipo físico dotado de cabeça chata são de procedência indígena.

As fases do conflito 
A Guerra dos Bárbaros passou por três momentos distintos: o primeiro rebentou na região norte-rio-grandense do Açu, onde os indígenas se apresentaram com armas de fogo e munições contrabandeadas pelos franceses. A segunda, de maior duração, teve lugar na Paraíba, ao longo de toda povoação de Bom Sucesso do Piancó, balizada pelo vale do Jucurutu, na fronteira com o Rio Grande do Norte, ao norte, vale do Pajeú, nos limites com Pernambuco, ao sul, sertão do Cariri, na Paraíba, a leste e sertão do Jaguaribe, no Ceará, onde ocorreu a derradeira fase da Guerra dos Bárbaros.

A figura dos sertanistas no conflito 
Na violência empregada contra os índios destacou-se Teodósio de Oliveira Lêdo, cujas milícias desempenharam o papel de polícia de segurança da época. Os mais implacáveis sertanistas acudiram às regiões do Piranhas e Piancó durante as batalhas do alto sertão da Paraíba. Um deles, o coronel Manoel de Araújo, deslocou-se com gado e cento e cinqüenta homens bem armados, de fazendas do rio São Francisco para a zona ocupada pelos índios coremas, que eram cariris. Mas o mais sanguinolento desses terços foi o dos paulistas, liderado pelo bandeirante Jorge Velho. O acampamento do sertanista situava-se na ribeira do Piranhas, fronteira com a Paraíba. Combateu no Seridó sem, no entanto, participar da última batalha da guerra cujo palco foi o Acauã. Ali ficou sob o comando das tropas, um cabo de seu terço que, conforme relato do capitão-mor Agostinho César de Andrade, "derrotou o gentio (...), e trouxeram mil e tantos prisioneiros".

A trajetória do conflito 
Para assegurar seus interesses e acabar com a ameaça dos tarairiús nas ribeiras do Açu e Seridó, o Capitão-mor do Rio Grande, Pascoal Gonçalves, a 24 de fevereiro de 1688, lança um bando "no qual declarava, em nome de Sua Majestade, que seriam perdoados de seus crimes aqueles que acudissem ao real serviço, fazendo guerra ao gentio". A Coroa portuguesa representada pelo Governador Geral do Brasil, Matias da Cunha, nesse mesmo ano, envia Terços dos Regimentos, equipados com armas de fogo e muitos homens para combater os bárbaros do Rio Grande.
Em 1692, a ocorrência de uma grande seca debilitaria os índios revoltosos, o que daria ensejo à assinatura de um "Tratado de Paz", firmado pelo Conselho Ultramarino, em 08 de janeiro de 1693, entre “o Rei Dom Pedro, de Portugal, e os Tapuyas dos Campos do Assu em nome do seu Rei Canindé”, nas palavras de Medeiros Filho. Por esse tratado, esses índios, estimados em doze a treze mil, prometiam cinco mil guerreiros para lutarem ao lado do português contra invasores estrangeiros ou tribos hostis, e em troca recebiam a garantia de uma área de dez léguas quadradas em torno de suas aldeias. Além disso, seriam considerados livres, não obstante devessem fornecer uma quota de trabalhadores para as fazendas de gado. Outros janduís, a exemplo dos do Seridó (canindés), vieram também a pedir paz aos portugueses, o que ocorreu aos 20 de setembro de 1695.
Apesar de todos os esforços e tentativas de se acabar com a Guerra dos Bárbaros, o intento não foi alcançado, o que levou o então governador geral Frei Manoel da Ressurreição, em 1690, empreender mudanças nas táticas e na estratégia de guerra até então colocada em prática contra os tarairiús. Em dois documentos estas mudanças foram explicitadas, de forma que se pudesse finalmente dar cabo dos indígenas tapuias nas capitanias do Norte do Brasil. Ainda permanecia o Regimento do mestre de campo Domingos Jorge Velho com todos os seus oficiais e o contingente que trouxera consigo de São Paulo, porém neste momento estava isento da autoridade do mestre de campo e governador da guerra, Matias Cardoso de Almeida, podendo empreender a guerra segundo a sua conveniência. A partir de então os rumos da guerra estariam, portanto definidos em direção ao extermínio completo, de uma forma ou de outra. Seja através da morte durante o conflito, pela escravidão ou pela redução completa e transformação dos tarairiús em caboclos. Foi na Capitania do Rio Grande, que em 1720, durante o governo de Luís Ferreira Freire, que ocorreu a última rebelião geral dos índios. Com a dizimação dos indígenas, ou então, com a dominação e o posterior aldeamento dos tapuias remanescentes em "missões" religiosas, o Seridó (como demais regiões do sertão potiguar e paraibano) começou a ser efetivamente ocupado, reacendendo-se o interesse pelas terras para a criação do gado bovino.


Justificativas das autoridades luso-brasileiras
Juciene Apolinário ressalta que, para justificar a guerra contra os indígenas, as autoridades coloniais tentavam relacionar a maneira daqueles de fazer a guerra com a crueldade e a falta de humanidade, “como atitudes que revelavam associação com o demônio e uma distância daquilo que era considerado cristão”. Os relatos dos luso-portugueses frisavam a inconstância, a falsidade e a barbaridade dos indígenas quando estes estavam numa situação de guerra, principalmente, quando esta guerra era contra os colonos brancos. Para os administradores e militares, portanto, esse era um comportamento totalmente fora do comum, e que por esse motivo muitas vezes era necessário que os soldados tivessem muito cuidado na guerra contra os tarairiús, ou poderiam ser facilmente enganados e vencidos por eles. Um artifício usado pelos indígenas durante a Guerra dos Bárbaros era que, no momento em que se sentiam encurralado,s numa situação extrema de perigo de morte, costumavam procurar abrigo em outros lugares pedindo as pazes às autoridades locais, e assim, continuavam sob proteção até que voltassem a fugir para o sertão novamente. Outro estratagema utilizado pelos tarairiús para exaurir os terços, era levar as tropas por caminhos e lugares de difícil locomoção, onde geralmente, havia escassez de água e de alimentos. Então, para os soldados dos terços era quase impossível compreender esta nova forma de empreender a guerra, pois contrariava as normas ditadas pelas guerras deflagradas na Europa. Por tais motivos, sempre a guerra contra os tarairiús foi considerada justa pelas autoridades administrativas e por isso mesmo deveria-se “degolar e no mínimo, escravizar esses indígenas”. 

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