PARTE I
Os motivos do conflito
José
Octávio de Arruda Mello, no livro “História da Paraíba: lutas e resistências”,
lembra que a presença de entradistas e bandeirantes, pelo sertão da Paraíba,
dispunha de outra motivação, além de espalhar o gado pelos campos do criatório.
Tratava-se de prear índios, reduzidos
ao cativeiro, para vendagem no litoral. Pessoas como Teodósio de Oliveira Lêdo
encontravam-se, confessadamente, comprometidos com essa empreitada. Mas os
índios reagiram, desencadeando a chamada “Guerra dos Bárbaros”, vigente nos
sertões nordestinos, de 1680
a 1730, que recebeu também a denominação de Confederação
dos Cariris. Só que não foram os cariris os responsáveis por esse procedimento,
mas os tarairiú.
A
historiadora carnaubense Maria da Paz Medeiros Dantas, por sua vez, explica
que, concedidas as primeiras datas e sesmarias no interior semi-árido do
Nordeste, certos grupos tapuias, principalmente aparentados dos janduís,
começaram a sentir os efeitos negativos representados pela desapropriação de
suas terras, indispensáveis à obtenção de sua alimentação baseada na caça, na
pesca e na coleta de mel. Segundo a autora, “os vários grupos indígenas que
dominavam as caatingas sertanejas, não viam com bons olhos a penetração do
homem branco que chegava com gado, escravos e agregados e se instalava nas
ribeiras mais férteis, afugentando os índios para as serras ou para as
caatingas onde havia falta d’água durante quase todo o ano”. Convém salientar
que em 1685, os janduís já demonstravam descontentamento. Em 1687, a situação se
agravou, sendo descrita por Cascudo da seguinte forma: "Os índios corriam incendiando, matando o gado e os vaqueiros e
plantadores do Sertão (...). Mais de cem homens mortos".
O
Capitão-mor da capitania do Rio Grande, Pascoal Gonçalves de Carvalho, desesperado,
solicitou socorro aos seus colegas Capitães-mores de Pernambuco e Paraíba, além
do Senado da Câmara de Olinda. A situação era crítica, de fato. Os silvícolas
avançavam rumo à capital. Atingiram Ceará-Mirim, próximo a Natal. Para se
defenderem, os colonos construíram casas-fortes em Tamatanduba, Cunhaú,
Goianinha, Mipibu, Guaraíras, Potengi, Utinga e Aldeia de São Miguel
(Extremoz), - sendo que estas duas últimas, ficavam a poucos quilômetros da
fortaleza dos Reis Magos.
Substancialmente, a tática colonizadora era a mesma do
litoral, pois tratava-se de “dividir para reinar”, jogando os indígenas uns
contra os outros. Como os tabajaras no litoral, os cariris fizeram-se aliados
dos colonizadores, em face dos quais levantaram-se, com ousadia, os tarairiús.
Por outro lado, os bandeirantes de Domingos Jorge Velho conduziram para o
sertão da Paraíba escravos negros que, aculturados, depois de aprisionados em
Palmares, foram utilizados contra os indígenas que resistiam. Aproveitando a
luta, grupos de negros internaram-se pelos matos, sendo essa a origem de alguns
quilombos sertanejos. Do lado da resistência indígena, notabilizaram-se os
janduis, pegas, panatis e paiacus. Destes, os que não se internaram nos sertões
do Rio Grande do Norte e Ceará foram exterminados. Essa a razão porque a
contribuição do índio à civilização sertaneja, na Paraíba, é bem menor que no
Ceará, onde artesanato e tipo físico dotado de cabeça chata são de procedência
indígena.
As fases do conflito
A Guerra dos Bárbaros passou por três momentos distintos: o primeiro rebentou na
região norte-rio-grandense do Açu, onde os indígenas se apresentaram com armas
de fogo e munições contrabandeadas pelos franceses. A segunda, de maior
duração, teve lugar na Paraíba, ao longo de toda povoação de Bom Sucesso do
Piancó, balizada pelo vale do Jucurutu, na fronteira com o Rio Grande do Norte,
ao norte, vale do Pajeú, nos limites com Pernambuco, ao sul, sertão do Cariri,
na Paraíba, a leste e sertão do Jaguaribe, no Ceará, onde ocorreu a derradeira
fase da Guerra dos Bárbaros.
A figura dos
sertanistas no conflito
Na violência empregada contra os índios destacou-se
Teodósio de Oliveira Lêdo, cujas milícias desempenharam o papel de polícia de
segurança da época. Os mais implacáveis sertanistas acudiram às regiões do
Piranhas e Piancó durante as batalhas do alto sertão da Paraíba. Um deles, o
coronel Manoel de Araújo, deslocou-se com gado e cento e cinqüenta homens bem
armados, de fazendas do rio São Francisco para a zona ocupada pelos índios
coremas, que eram cariris. Mas o mais sanguinolento desses terços foi o dos
paulistas, liderado pelo bandeirante Jorge Velho. O acampamento do sertanista
situava-se na ribeira do Piranhas, fronteira com a Paraíba. Combateu no Seridó
sem, no entanto, participar da última batalha da guerra cujo palco foi o Acauã.
Ali ficou sob o comando das tropas, um cabo de seu terço que, conforme relato
do capitão-mor Agostinho César de Andrade, "derrotou o gentio (...), e trouxeram mil e tantos
prisioneiros".
A trajetória do conflito
Para assegurar seus interesses e acabar com a ameaça dos tarairiús nas ribeiras
do Açu e Seridó, o Capitão-mor do Rio Grande, Pascoal Gonçalves, a 24 de
fevereiro de 1688, lança um bando "no
qual declarava, em nome de Sua Majestade, que seriam perdoados de seus crimes
aqueles que acudissem ao real serviço, fazendo guerra ao gentio". A
Coroa portuguesa representada pelo Governador Geral do Brasil, Matias da Cunha,
nesse mesmo ano, envia Terços dos Regimentos, equipados com armas de fogo e
muitos homens para combater os bárbaros do Rio Grande.
Em 1692, a ocorrência de uma
grande seca debilitaria os índios revoltosos, o que daria ensejo à assinatura
de um "Tratado de Paz",
firmado pelo Conselho Ultramarino, em 08 de janeiro de 1693, entre “o Rei Dom
Pedro, de Portugal, e os Tapuyas dos Campos do Assu em nome do seu Rei
Canindé”, nas palavras de Medeiros Filho. Por esse tratado, esses índios,
estimados em doze a treze mil, prometiam cinco mil guerreiros para lutarem ao
lado do português contra invasores estrangeiros ou tribos hostis, e em troca
recebiam a garantia de uma área de dez léguas quadradas em torno de suas
aldeias. Além disso, seriam considerados livres, não obstante devessem fornecer
uma quota de trabalhadores para as fazendas de gado. Outros janduís, a exemplo
dos do Seridó (canindés), vieram também a pedir paz aos portugueses, o que
ocorreu aos 20 de setembro de 1695.
Apesar de
todos os esforços e tentativas de se acabar com a Guerra dos Bárbaros, o
intento não foi alcançado, o que levou o então governador geral Frei Manoel da
Ressurreição, em 1690, empreender mudanças nas táticas e na estratégia de
guerra até então colocada em prática contra os tarairiús. Em dois documentos
estas mudanças foram explicitadas, de forma que se pudesse finalmente dar cabo
dos indígenas tapuias nas capitanias do Norte do Brasil. Ainda permanecia o
Regimento do mestre de campo Domingos Jorge Velho com todos os seus oficiais e
o contingente que trouxera consigo de São Paulo, porém neste momento estava
isento da autoridade do mestre de campo e governador da guerra, Matias Cardoso
de Almeida, podendo empreender a guerra segundo a sua conveniência. A partir de
então os rumos da guerra estariam, portanto definidos em direção ao extermínio
completo, de uma forma ou de outra. Seja através da morte durante o conflito,
pela escravidão ou pela redução completa e transformação dos tarairiús em caboclos. Foi na
Capitania do Rio Grande, que em 1720, durante o governo de Luís Ferreira
Freire, que ocorreu a última rebelião geral dos índios. Com a dizimação dos
indígenas, ou então, com a dominação e o posterior aldeamento dos tapuias
remanescentes em "missões"
religiosas, o Seridó (como demais regiões do sertão potiguar e
paraibano) começou a ser efetivamente ocupado, reacendendo-se o interesse pelas
terras para a criação do gado bovino.
Justificativas das autoridades
luso-brasileiras
Juciene
Apolinário ressalta que, para justificar a guerra contra os indígenas, as
autoridades coloniais tentavam relacionar a maneira daqueles de fazer a guerra
com a crueldade e a falta de humanidade, “como atitudes que revelavam
associação com o demônio e uma distância daquilo que era considerado cristão”.
Os relatos dos luso-portugueses frisavam a inconstância, a falsidade e a
barbaridade dos indígenas quando estes estavam numa situação de guerra,
principalmente, quando esta guerra era contra os colonos brancos. Para os
administradores e militares, portanto, esse era um comportamento totalmente
fora do comum, e que por esse motivo muitas vezes era necessário que os
soldados tivessem muito cuidado na guerra contra os tarairiús, ou poderiam ser
facilmente enganados e vencidos por eles. Um artifício usado pelos indígenas
durante a Guerra dos Bárbaros era que, no momento em que se sentiam
encurralado,s numa situação extrema de perigo de morte, costumavam procurar
abrigo em outros lugares pedindo as pazes às autoridades locais, e assim,
continuavam sob proteção até que voltassem a fugir para o sertão novamente.
Outro estratagema utilizado pelos tarairiús para exaurir os terços, era levar
as tropas por caminhos e lugares de difícil locomoção, onde geralmente, havia
escassez de água e de alimentos. Então, para os soldados dos terços era quase
impossível compreender esta nova forma de empreender a guerra, pois contrariava
as normas ditadas pelas guerras deflagradas na Europa. Por tais motivos, sempre
a guerra contra os tarairiús foi considerada justa pelas autoridades
administrativas e por isso mesmo deveria-se “degolar e no mínimo, escravizar
esses indígenas”.
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