CARNAVAL PICUIENSE:
ONDE ESTÃO OS CARAS-BRANCAS E OS CARAS-PRETAS?
por Fabiana Agra *
Entre um dia e outro de Carnaval, dei
uma passadinha nas redes sociais e pude constatar, feliz, as iniciativas da
Escola Professor Lordão, do empresário Fabrízio Medeiros e de dezenas de
foliões, onde destaco Etiene Moreno e Lena Caetano, em resgatar o “Carnaval
Tradição” de Picuí – ao mesmo tempo em que leio as reclamações de tantos outros
picuienses, cobrando a volta dos grandes carnavais em nossa cidade. No entanto,
justiça seja feita: não há como responsabilizar ou exigir da Prefeitura de
Picuí o resgate dessa festa que já foi uma das maiores da região, pelo simples
fato de que as festividades carnavalescas picuienses sempre foram realizadas
através de iniciativas populares e do Picuí Clube.
Desde o início do século XX, Picuí
fazia o maior Carnaval de toda a região do Seridó e Curimataú da Paraíba; e, a
partir da década de 1920, os membros do Picuí Clube criaram seus bailes
carnavalescos, onde os associados brincavam os quatro dias de carnaval vestindo
as mais lindas e caras fantasias, animados por banhos de lança-perfume. Mas o
povão não ficava para trás e fazia a sua festa – era o carnaval do povo picuiense,
daqueles a quem não era permitido ingressar no clube da elite. Esse carnaval
era realizado nas ruas da cidade, onde os foliões abusavam da animação e da
criatividade na confecção de suas fantasias. É desse tempo as expressões “cara-branca”
e “cara-preta”, pelas quais as diferenças e o preconceito social e racial apareciam
trasvestidos em fantasias e adereços e, vez por outras, a rivalidade era
resolvida aos socos e pontapés, quando os caras-brancas e caras-pretas abriam
caminho com seus blocos pelas ladeiras das ruas Ferreira de Macedo, São
Sebastião, Professor Lordão e Rua Nova.
O tempo foi passando e os “”caras-pintadas”
picuienses continuaram a comandar a folia; nas décadas de 1950 a 1970, a
Orquestra de Frevo comandada pelo saudoso Nino Costa e seus companheiros
Agrião, Milani, Chico Preto, Manoel Cosme, João Costa e Chico Cândido fazia a
ponte entre os dois mundos, o da elite e o do povão. A alegria continuava a ser
contagiante dos dois lados e Picuí vivia a sua catarse anual de Carnaval. Os anos
1980 chegaram, os caras-pretas e caras-brancas se misturaram e todos puderam
adentrar nos carnavais do Picuí Clube, tendo como única barreira impeditiva, a
condição social de cada um. Aquela foi a época dos grandes blocos picuienses: “Malandros
do Ritmo”, “SoKanela”, “Os Movidos”, “TropCanalhas”, “Karamimoso”; agremiações
cuja iniciativa era de seus membros, grupos de amigos que se reuniam para
brincar o carnaval em Picuí – e que arrastavam consigo, imensas torcidas e a
rivalidade era resolvida com a vitória no campeonato de blocos. O povão?
Durante o dia fazia a festa nas ruas da cidade, jogando talco e maisena uns nos
outros, num mela-mela infernal e, à noite, se espremia em frente ao Picui Clube
para assistir a entrada dos blocos...
Eis que o ano de 1988 chegou, trazendo
o início do esvaziamento dos festejos momescos em Picuí: os blocos foram
desaparecendo e o último deles, “A Turma do Pinico”, se desfez acredito que em
1990. Nas ruas, alguns sobreviventes da folia continuaram a fazer o carnaval de
rua, comandados por Delmiro e seus “Os Operários”; nessa época, os foliões que
sempre se destacavam eram Zé Faustino, tocando um fole, Etiene Moreno com sua
eterna fantasia de “Índio Apache”, Antonio de Bina trajando um terno completo,
puído, e Lena Caetano, sempre trajada de “Nega Maluca”. No entanto, a maioria
dos picuienses passou a festejar a data nas praias, em Olinda ou Salvador
decretando, assim, a morte do Carnaval em Picuí.
Hoje, observo com felicidade, que
muitos dos “caras-pretas” atuais melhoraram de vida e também viajam durante o
período e não há mais tanta diferença entre eles e os “caras-brancas”, todos
tem o mesmo estilo de vida, só mudando, a grosso modo, os preços das casas que
alugam na praia, da bebida e do tira-gosto. E ontem, em meio àquela profusão de
fantasias do carnaval-democracia de Olinda, me bateu um insight que se diluiu
em lágrimas, quando pensei: “Voltem, caras-pretas e caras-brancas! Voltem e
retomemos a tradição dos nossos carnavais!” Aí parei e sentei para observar as
troças passarem e continuei a matutar: caso consigamos trazer de volta os
carnavais de Picuí, as caras não mais serão pintadas em preto ou branco, as
nossas caras virão misturadas em cores ou mascaradas por outras alegorias, pois
o povo de Picuí também evoluiu com o tempo e hoje não temos mais espaços para
apenas o branco e o preto em nossa aquarela de cores.
...Terminei de beber a latinha de
cerveja, dei um sorriso e caí na troça. Porque eu sei que vamos conseguir
trazer de volta o nosso carnaval; porque eu sei que é bem melhor brincar em uma
multidão de amigos e conhecidos; porque eu sei que não há nada melhor do que se
fantasiar do que é nosso; porque só dependerá de nós, picuienses, resgatar a
nossa festa!
VIVA PICUI! VIVA O POVO DE PICUÍ!
* Fabiana Agra é advogada, jornalista
e escritora.
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